UM DIA DAQUELES
Maurício Pons
O sujeito entra no escritório de registros autorais, despeja um calhamaço de papel em cima do balcão e fala ao atendente:
- Bom dia. Quero registrar essa obra literária.
- Foi o senhor mesmo quem a escreveu?
- Não. Foi meu bisavô. Ele deixou pra mim em seu testamento.
O atendente pega o enorme amontoado de folhas e o passa em revista. É um manuscrito, amarelado pelo tempo. Algumas folhas com sinal de que algumas traças andaram se banqueteando por ali.
- Mas isso aqui está cheio de piadas. E piadas muito velhas, conhecidas, em sua maioria.
- Sim, eu sei disso. Meu bisavô morreu há muito tempo. Eu mal o conheci. Ele escreveu essas histórias ainda muito jovem.
- Histórias não, piadas.
- Que seja. Então, vai registrar ou não? Até já paguei a taxa lá no banco.
- Olha, receio não poder fazer isso. Você pode provar que foi teu parente o autor disso tudo?
- Ué!? Ele assinou todos os textos, e a letra é dele. Quer prova maior que essa? E esse Joãozinho que fala aí é filho dele. Tem várias historinhas em sua homenagem. E olha só isso aqui – disse, tirando do bolso uma foto muito velha , em preto e branco.
- Esse é seu bisavô? Que é isso no ombro dele?
- É o papagaio dele, seu companheiro e maior fonte de inspiração. Sabe aquela do papagaio? Pois é, esse é o próprio.
- Como você disse mesmo que esse senhor morreu?
- Eu não disse. Mas foi de repente. Um dia ele foi ao médico e o cara disse pra ele: As notícias não são boas. O senhor tem 5 minutos de vida. Mas doutor, disse meu avô desesperado, O que o senhor Pode fazer por mim? E o médico, consultando o relógio: Só uma Miojo.
- Ta bom. Você está de brincadeira. Essa piada eu já conheço. E se seu tataravô morreu há muito tempo, duvido que já existisse...
- Bisa..
- Quê?
- È bisavô, e não tátara
- Tanto faz . Nessa época nem tinha massa miojo. Agora o senhor me dá licença que eu tenho mais o que fazer. Vá ver se estou lá na esquina.
- O senhor me deve R$ 1,00. Pensando melhor, vou fazer por R$ 2,00. O Lenine anda cantando isso aí em uma música. Vou ver com o agente dele. Ninguém mais diz “vai ver se estou lá na esquina” hoje em dia.
- Como assim? Não te devo nada. Devo por que?
- Copyright. Essa frase também é de autoria do meu avô, digo, bisavô. Pode olhar aí, página 715. Vai ver se to lá na esquina. Bem assim. E quero cobrar todos os retroativos do uso indevido das piadas por artistas como Ari Toledo, Jô Soares, Chico Anysio e outros contadores que usam a genial obra de meu avô para ganhar dinheiro. Onde já se viu? Agora Roberto Carlos vai sair por aí cantando as músicas do Caetano como bem entende, sem autorização do compositor? Não pode. E contar piada dos outros também não. Ah! E por favor, quero em dinheiro. Sabe como é, tem muita gente falsificando assinatura de cheque hoje em dia.
.............
O próximo sujeito entra carregando um violão no ombro. Cabeludo, óculos escuros que lhe cobrem quase todo o rosto e um jaquetão preto de couro, apesar do calor que estava fazendo. O atendente é o mesmo. Pensa “hoje é um dia daqueles”. Está meio desarrumado, o atendente, pelo esforço de jogar um outro maluco porta afora alguns minutos antes.
- Pois não, posso lhe ajudar?
- Pode sim. Eu quero registrar uma composição.
- Uma música? Letra e música são suas?
- Isso. Eu ia trazer uma gravação, mas resolvi fazer ao vivo pra evidenciar a veracidade da obra.
E foi puxando um banco pra apoiar a perna, colocou o violão sobra a coxa, estalou os dedos, limpou a garganta e...
- Peraí, calma. Primeiro vamos fazer sua ficha. Como é mesmo seu nome?
- Públis. Dômini Públis.
- Certo, seu Dômini. Primeiro o senhor tem que pagar uma taxinha no banco, coisa pouca. Depois traga aqui o comprovante de quitação e aí sim, vamos registrar seja lá o que for.
- Ah! Não sabia. Mas já que estou aqui, vou dar só uma palinha pro senhor ver como é que ficou. Quem sabe se gostar eu ganho até um desconto nessa taxa aí.
E começou a pontear as cordas da viola, algo como din din din, don don don.
- Êpa.. pode parar com isso aí. É alguma piada? Quequéisso? Isso aí não é seu. Atirei o Pau no Gato existe desde sempre. È de domínio público.
- Pois é! Dômini Públis. Sou eu.
- Domínio. Domínio Público, ta entendendo!? - disse o funcionário quase quebrando a caneta. - Ninguém tem direitos sobre isso. È de todos. Pode tocar a vontade que ninguém vai reclamas os direitos. Existe desde sempre.
- Então? As terras, bem antigamente, também existiam desde sempre, até que alguém chegou lá, fez uma cerca, botou uma casa e pronto. É dele porque registrou antes. Já que Atirei o Pau no Gato não tem dono eu vou registrar, pois tive a idéia primeiro. E quero receber retroativo. Em dinheiro, sabe como é.
Maurício Pons
O sujeito entra no escritório de registros autorais, despeja um calhamaço de papel em cima do balcão e fala ao atendente:
- Bom dia. Quero registrar essa obra literária.
- Foi o senhor mesmo quem a escreveu?
- Não. Foi meu bisavô. Ele deixou pra mim em seu testamento.
O atendente pega o enorme amontoado de folhas e o passa em revista. É um manuscrito, amarelado pelo tempo. Algumas folhas com sinal de que algumas traças andaram se banqueteando por ali.
- Mas isso aqui está cheio de piadas. E piadas muito velhas, conhecidas, em sua maioria.
- Sim, eu sei disso. Meu bisavô morreu há muito tempo. Eu mal o conheci. Ele escreveu essas histórias ainda muito jovem.
- Histórias não, piadas.
- Que seja. Então, vai registrar ou não? Até já paguei a taxa lá no banco.
- Olha, receio não poder fazer isso. Você pode provar que foi teu parente o autor disso tudo?
- Ué!? Ele assinou todos os textos, e a letra é dele. Quer prova maior que essa? E esse Joãozinho que fala aí é filho dele. Tem várias historinhas em sua homenagem. E olha só isso aqui – disse, tirando do bolso uma foto muito velha , em preto e branco.
- Esse é seu bisavô? Que é isso no ombro dele?
- É o papagaio dele, seu companheiro e maior fonte de inspiração. Sabe aquela do papagaio? Pois é, esse é o próprio.
- Como você disse mesmo que esse senhor morreu?
- Eu não disse. Mas foi de repente. Um dia ele foi ao médico e o cara disse pra ele: As notícias não são boas. O senhor tem 5 minutos de vida. Mas doutor, disse meu avô desesperado, O que o senhor Pode fazer por mim? E o médico, consultando o relógio: Só uma Miojo.
- Ta bom. Você está de brincadeira. Essa piada eu já conheço. E se seu tataravô morreu há muito tempo, duvido que já existisse...
- Bisa..
- Quê?
- È bisavô, e não tátara
- Tanto faz . Nessa época nem tinha massa miojo. Agora o senhor me dá licença que eu tenho mais o que fazer. Vá ver se estou lá na esquina.
- O senhor me deve R$ 1,00. Pensando melhor, vou fazer por R$ 2,00. O Lenine anda cantando isso aí em uma música. Vou ver com o agente dele. Ninguém mais diz “vai ver se estou lá na esquina” hoje em dia.
- Como assim? Não te devo nada. Devo por que?
- Copyright. Essa frase também é de autoria do meu avô, digo, bisavô. Pode olhar aí, página 715. Vai ver se to lá na esquina. Bem assim. E quero cobrar todos os retroativos do uso indevido das piadas por artistas como Ari Toledo, Jô Soares, Chico Anysio e outros contadores que usam a genial obra de meu avô para ganhar dinheiro. Onde já se viu? Agora Roberto Carlos vai sair por aí cantando as músicas do Caetano como bem entende, sem autorização do compositor? Não pode. E contar piada dos outros também não. Ah! E por favor, quero em dinheiro. Sabe como é, tem muita gente falsificando assinatura de cheque hoje em dia.
.............
O próximo sujeito entra carregando um violão no ombro. Cabeludo, óculos escuros que lhe cobrem quase todo o rosto e um jaquetão preto de couro, apesar do calor que estava fazendo. O atendente é o mesmo. Pensa “hoje é um dia daqueles”. Está meio desarrumado, o atendente, pelo esforço de jogar um outro maluco porta afora alguns minutos antes.
- Pois não, posso lhe ajudar?
- Pode sim. Eu quero registrar uma composição.
- Uma música? Letra e música são suas?
- Isso. Eu ia trazer uma gravação, mas resolvi fazer ao vivo pra evidenciar a veracidade da obra.
E foi puxando um banco pra apoiar a perna, colocou o violão sobra a coxa, estalou os dedos, limpou a garganta e...
- Peraí, calma. Primeiro vamos fazer sua ficha. Como é mesmo seu nome?
- Públis. Dômini Públis.
- Certo, seu Dômini. Primeiro o senhor tem que pagar uma taxinha no banco, coisa pouca. Depois traga aqui o comprovante de quitação e aí sim, vamos registrar seja lá o que for.
- Ah! Não sabia. Mas já que estou aqui, vou dar só uma palinha pro senhor ver como é que ficou. Quem sabe se gostar eu ganho até um desconto nessa taxa aí.
E começou a pontear as cordas da viola, algo como din din din, don don don.
- Êpa.. pode parar com isso aí. É alguma piada? Quequéisso? Isso aí não é seu. Atirei o Pau no Gato existe desde sempre. È de domínio público.
- Pois é! Dômini Públis. Sou eu.
- Domínio. Domínio Público, ta entendendo!? - disse o funcionário quase quebrando a caneta. - Ninguém tem direitos sobre isso. È de todos. Pode tocar a vontade que ninguém vai reclamas os direitos. Existe desde sempre.
- Então? As terras, bem antigamente, também existiam desde sempre, até que alguém chegou lá, fez uma cerca, botou uma casa e pronto. É dele porque registrou antes. Já que Atirei o Pau no Gato não tem dono eu vou registrar, pois tive a idéia primeiro. E quero receber retroativo. Em dinheiro, sabe como é.
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