No Verão Passado
Maria Olímpia
Foi no verão, no verão passado. Que verão, que passado, eu nem sei, não acabou. Passou. O tempo é confuso, existem momentos que parecem ser, aqui e agora, existem aqueles que nunca foram. Talvez delírio, talvez sonho, mas era verão, isso eu sei. Quando paro e penso e paro e penso continuamente, o pensamento indo e vindo como as ondas do mar, o tic e o tac do relógio, quando penso uma corrente elétrica me percorre inteirinha, da ponta dos dedos dos pés a ponta dos cabelos, mas não sei se é vice e versa ou versa e vice nem sei se a ordem dos fatores tem alguma importância. É um vai e vem gostoso que arrepia e levanta os pelos dourados dos meus braços vazios, tão frios. Corrente que se vale de uma saudade viva, respingos do sangue do coração em chagas. A lembrança é tão forte que nem parece lembrança, se confunde. Se me localizo no tempo, firmo os pés no chão, distante das areias da praia e espalho em cima da cama, nas paredes do quarto, da sala, cozinha, em cima da pia, no vaso, no teto, maçaneta da porta, dezenas, centenas, todos os calendários em que marquei os dias de sua ausência física com tinta vermelha, com sangue, com as cerejas esmigalhadas que não comemos juntos, uma cruz, um xis, a morte diária, que morro por estar sem você, mas vivo outra vez, na memória, lembrança no sorriso de olhos fechados, minhas mãos modulando o espaço de seu corpo, o vazio, seu cheiro em cada cheiro, o ressonas de gato no eco de mim mesma.
Foi no verão9. O mar jogava suas ondas na praia com volúpia, um jeito que só de olhar dava vontade de enroscar-me toda, rolando na areia branca de que praia desaparecida. Meus passos, passo a passo, procuravam você e bem antes de mim, de meus olhos, olfato, bem antes de tudo me conduziram, suas costas nuas, parei ridiculamente extasiada gente às costas nuas de um homem parado olhando o fogo que o mar engolia e me explodia. Havia uma brisa com gosto de sal e cheiro de peixe que sinto ainda e fazem parte do meu desejo. E eu que trazia a mão cheia de anéis de prata, conchas rosadas e pedras brilhantes, de cada um me desfiz, um a um atirando-as em seu dorso nu. Você nem se mexeu mas senti o tremor de seu corpo estremecendo e o meu também. Quando parei você se virou, seu rosto, seus olhos de gato siamês, suas mãos, seus passos tranqüilos, sem pressa, você e o cheiro de vinho que nós não bebemos, mas nos embriagou. Nossas mãos como velhas conhecidas nos levaram pelo caminho do mar em direção ao amor. E nem falamos, eu que falo como,uma cacatua e nem cantamos, que o mundo todo cantava e nossos sentidos se comunicavam, os olhos afogados nos olhos, os passos seguindo sozinhos com a pressa sem pressa de quem sabe aonde vai e conhece o caminho.
Havia uma pedra e era tão alto o nosso leito de rochas, tão alto, mas perto do mar que ciumento se lançava inteiro para nos alcançar, os respingos salgando nossos pés, nossas pernas e coxas, a caverna e o penhasco, o cume do monte, subindo, subindo, subindo, indo e vindo, ofegante. Seu braço, travesseiro macio para minha nuca, nossas mãos na louca aventura do reconhecimento, caminhos trilhados e jamais esquecidos, florestas e vales, montanhas, planícies, picos e grutas profundas. Você e eu, Adão e Eva no Éden perdido em busca do fruto proibido que achamos e devoramos com fome de muitos verões, tanto quanto havia existido, tantos quanto houvesse havido, além da vida e da morte, do tempo e do espaço, imanência e transcendência. Quando a serpente tentadora se enroscou em meu corpo e eu gritei mais alto que o grito, tão alto que o mar parou e as ondas se cristalizaram reverenciando nossos corpos estendidos na rocha úmida. E depois do cansaço voamos, as asas molhadas livres do mundo mas prisioneiras da magia do momento de amor. E a água viu nosso renascimento, uma vez, duas vezes, tantas quantas morremos, tantas quanto foi preciso para sermos uns só, intocáveis para sempre.
Em algum lugar, naquele momento, foi escrito e marcado ficou, para sempre gravado que seríamos eternamente acorrentados um ao outro, m pelo outro, embora os sinais de nossos dentes e as trilhas rasgadas por nossas unhas fossem aos poucos desaparecendo como o sal engolido pelo mar, as lágrimas absorvidas pela pele, os rastros na areia desfeitos pelo vento.
E depois a folha de parreira a nos cobrir outra vez, nossos passos seguiram caminhos opostos de não mais se encontrarem.
Maria Olímpia
Foi no verão, no verão passado. Que verão, que passado, eu nem sei, não acabou. Passou. O tempo é confuso, existem momentos que parecem ser, aqui e agora, existem aqueles que nunca foram. Talvez delírio, talvez sonho, mas era verão, isso eu sei. Quando paro e penso e paro e penso continuamente, o pensamento indo e vindo como as ondas do mar, o tic e o tac do relógio, quando penso uma corrente elétrica me percorre inteirinha, da ponta dos dedos dos pés a ponta dos cabelos, mas não sei se é vice e versa ou versa e vice nem sei se a ordem dos fatores tem alguma importância. É um vai e vem gostoso que arrepia e levanta os pelos dourados dos meus braços vazios, tão frios. Corrente que se vale de uma saudade viva, respingos do sangue do coração em chagas. A lembrança é tão forte que nem parece lembrança, se confunde. Se me localizo no tempo, firmo os pés no chão, distante das areias da praia e espalho em cima da cama, nas paredes do quarto, da sala, cozinha, em cima da pia, no vaso, no teto, maçaneta da porta, dezenas, centenas, todos os calendários em que marquei os dias de sua ausência física com tinta vermelha, com sangue, com as cerejas esmigalhadas que não comemos juntos, uma cruz, um xis, a morte diária, que morro por estar sem você, mas vivo outra vez, na memória, lembrança no sorriso de olhos fechados, minhas mãos modulando o espaço de seu corpo, o vazio, seu cheiro em cada cheiro, o ressonas de gato no eco de mim mesma.
Foi no verão9. O mar jogava suas ondas na praia com volúpia, um jeito que só de olhar dava vontade de enroscar-me toda, rolando na areia branca de que praia desaparecida. Meus passos, passo a passo, procuravam você e bem antes de mim, de meus olhos, olfato, bem antes de tudo me conduziram, suas costas nuas, parei ridiculamente extasiada gente às costas nuas de um homem parado olhando o fogo que o mar engolia e me explodia. Havia uma brisa com gosto de sal e cheiro de peixe que sinto ainda e fazem parte do meu desejo. E eu que trazia a mão cheia de anéis de prata, conchas rosadas e pedras brilhantes, de cada um me desfiz, um a um atirando-as em seu dorso nu. Você nem se mexeu mas senti o tremor de seu corpo estremecendo e o meu também. Quando parei você se virou, seu rosto, seus olhos de gato siamês, suas mãos, seus passos tranqüilos, sem pressa, você e o cheiro de vinho que nós não bebemos, mas nos embriagou. Nossas mãos como velhas conhecidas nos levaram pelo caminho do mar em direção ao amor. E nem falamos, eu que falo como,uma cacatua e nem cantamos, que o mundo todo cantava e nossos sentidos se comunicavam, os olhos afogados nos olhos, os passos seguindo sozinhos com a pressa sem pressa de quem sabe aonde vai e conhece o caminho.
Havia uma pedra e era tão alto o nosso leito de rochas, tão alto, mas perto do mar que ciumento se lançava inteiro para nos alcançar, os respingos salgando nossos pés, nossas pernas e coxas, a caverna e o penhasco, o cume do monte, subindo, subindo, subindo, indo e vindo, ofegante. Seu braço, travesseiro macio para minha nuca, nossas mãos na louca aventura do reconhecimento, caminhos trilhados e jamais esquecidos, florestas e vales, montanhas, planícies, picos e grutas profundas. Você e eu, Adão e Eva no Éden perdido em busca do fruto proibido que achamos e devoramos com fome de muitos verões, tanto quanto havia existido, tantos quanto houvesse havido, além da vida e da morte, do tempo e do espaço, imanência e transcendência. Quando a serpente tentadora se enroscou em meu corpo e eu gritei mais alto que o grito, tão alto que o mar parou e as ondas se cristalizaram reverenciando nossos corpos estendidos na rocha úmida. E depois do cansaço voamos, as asas molhadas livres do mundo mas prisioneiras da magia do momento de amor. E a água viu nosso renascimento, uma vez, duas vezes, tantas quantas morremos, tantas quanto foi preciso para sermos uns só, intocáveis para sempre.
Em algum lugar, naquele momento, foi escrito e marcado ficou, para sempre gravado que seríamos eternamente acorrentados um ao outro, m pelo outro, embora os sinais de nossos dentes e as trilhas rasgadas por nossas unhas fossem aos poucos desaparecendo como o sal engolido pelo mar, as lágrimas absorvidas pela pele, os rastros na areia desfeitos pelo vento.
E depois a folha de parreira a nos cobrir outra vez, nossos passos seguiram caminhos opostos de não mais se encontrarem.
Gostei desse texto. Inspira o leitor, parabéns M.Olímpia
ResponderExcluirSou admiradora há anos de Maria Olímpia e amiga íntima tb..me sinto orgulhosa de ler seu conto aqui..gostaria de enviar contos de meu filho,publicados esse ano através do incentivo à cultura de Uberlândia,cidade onde mora....qual deve ser meu procedimento? beijos encantados e gratos da maria neusa
ResponderExcluirolá, Maria Neusa.
ResponderExcluirNo ano passado fizemos, dentro da comunidade Livro Errante, um concurso de contos entre os integrantes; São esses 20 contos ganhadores que estou publicando semanalmente. Que tal vc e seu filho participarem também da comunidade? A Maria Olímpia poderá lhe explicar e se vocês entrarem serão bem recebidos e terminarão viciados.
Um abraço.
L.E