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Mostrando postagens de janeiro, 2024

Marchinhas de Carnaval: verdadeiras crônicas (2)

     Dois carnavais muito distantes, duas marchinhas. Em comum, falam fatos de suas respectivas épocas.       A primeira (1957) desagrado pela possível mudança da capital federal para Goiás. A segunda (2021) ironiza  a ideia da terra plana.        O Rio de Janeiro deixou mesmo de ser a capital pouco tempo depois do lançamento da música, a terra, no entanto, continua redonda e não vai ficar plana.. Nova Capital Aldacir Louro, Sebastião Mota e Edgard Cavalcanti Dizem, é voz corrente Em Goiás será a Nova Capital Leve tudo pra lá seu Presidente Mas deixe aqui o nosso carnaval O carioca chora, da lágrima cair Se o reinado de Momo Também te transferir Terra Plana Bloco Saia de Chita (SP) A terra plana parou fora do tempo Quarta-feira de Cinzas sem final Sem multidão, em casa, eu me monto e não escondo A saudade de outro carnaval Vai passar rápido Já já acaba Botei a saia pra secar no meu varal Não é possível Já faz um ano que Minha janela dá pro mundo virtual Aguenta as pontas Que esse chumb

Marchinhas de Carnaval: verdadeiras crônicas de costumes

A pedido dos foliões carnavalescos do cordão Rosa de Ouro, em 1899, a já célebre compositora  Chiquinha Gonzaga  compôs a  marchinha  "Ó abre alas", a primeira música especialmente feita para animar o carnaval. Descendente das marchas militares e das marchas populares portuguesas, as marchas-ranchos - como passaram a ser chamadas por animarem os blocos ou ranchos de foliões - acabaram se consagrando como gênero carnavalesco por excelência, prevalecendo até sobre o samba entre as décadas de 1920 e 1960, quando entraram em relativo declínio. Porém, nunca chegaram a desaparecer, e até hoje animam festas de carnaval em todo o país. Letra e música Não é difícil explicar a atração que as marchinhas de carnaval exercem sobre o grande público: compasso binário, andamento acelerado e melodias simples cativam rapidamente o ouvinte, ao mesmo tempo que as letras - debochadas, irônicas, ambíguas ou sensuais - são fáceis de entender e memorizar. De fato, as marchinhas eram crônicas urbanas

Carnaval, uma Carta De Mário de Andrade

Mário de Andrade passou o Carnaval de 1923 no Rio de Janeiro, encantou-se com a folia carioca e não foi visitar Manuel Bandeira em Petrópolis. No final de fevereiro, enviou uma carta ao amigo, argumentando a sua ausência. "Meu Manuel… Carnaval!… Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia … Perdi  tudo. Menos minha faculdade de gozar, de delirar … Fui  ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas… que delícia, Manuel, o Carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu Carnaval! […] Meu cérebro acanhado, brumoso de paulista, por mais que se iluminasse em desvarios, em prodigalidades de sons, luzes, cores, perfumes, pândegas, alegria, que sei  lá!,  nunca seria capaz de imaginar um Carnaval carioca, antes de vê-lo. Foi o que se deu. Imaginei-o  paulistamente . […] Admirei repentinamente o legítimo carnavalesco, o carnavalesco carioca, o que é só carnavalesco, pula e canta e dança quatro dias sem parar. Vi que era um puro!

Estado de Poesia, Chico César

Para viver em estado de poesia Me entranharia nestes sertões de você Para deixar a vida que eu vivia De cigania antes de te conhecer De enganos livres que eu tinha porque queria Por não saber que mais dia menos dia Eu todo me encantaria pelo todo do teu ser Pra misturar meia noite meio dia E enfim saber que cantaria a cantoria Que há tanto tempo queria A canção do bem querer É belo vês o amor sem anestesia Dói de bom, arde de doce Queima, acalma Mata, cria Chega tem vez que a pessoa que enamora Se pega e chora do que ontem mesmo ria Chega tem hora que ri de dentro pra fora Não fica nem vai embora É o estado de poesia

Menino Malunguinho, Marcílio Godoi

Quando nasci, nasci menino forte, pra mais de cinco quilos. Era um tempo em que a beleza era medida pelas dobras de gordura nos punhos e os automóveis eram recebidos na roça como naves espaciais. Quem me apanhou do ventre amoroso e obstinado de minha mãe foi dona Anália, parteira dos meus outros oito irmãos, crianças que, como se ouvia naquele tempo, não tinham "querer". Mas que eram recebidas com muita alegria, pois, apesar de serem mais uma boca no mundo, mais um fio pra criar, poderiam ser também mais um bom parzinho de braços para a lavoura. Entre lençóis fartos, alvos e alvejados de placenta, a experiente mestre de cerimônias da vida me acolheu. Como cartão de visitas, apresentei-lhe um xixi imenso, antes mesmo de chorar. Era um tempo sem medicina diagnóstica, quando os prognósticos de saúde ou de doença ainda versavam como matéria da sorte, do destino insondável ou apenas de santos superprotetores mesmo. Se isso mudou, infelizmente mudou pouco, como não

Clarice Lispector - Dia Nacional da Tulipa

  “A  sempre-viva é sempre morta.Sua secura tende à eternidade.O nome em grego quer dizer sol de ouro.  A margarida é florzinha alegre.É simples e à tona da pele,Só tem uma camada de pétalas.O centro é uma brincadeira infantil. A formosa orquídea é exquise e antipática.   Não é espontânea.Requer  redoma.Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar.Também não se pode negar que é nobre porque é epífita.Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição. Estava mentindo quando disse que era antipática.Adoro orquídeas.Já nascem artificiais, já nascem arte. Tulipa é tulipa na Holanda.Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo abert o para ser.” Clarice.Água viva .Rio de Janeiro: editora. Artenova,1973 Nota:Na Holanda comemora-se o dia nacional das tulipas no terceiro sábado de janeiro. A temporada de Tulipa nos Países Baixos começa com a celebração espetacular do Dia Nacional de Tulipa na Praça Dam em Amesterdão. O impressionante jardim de 200.000 tulip

Os Três Mal Amados, João Cabral de Melo Neto

JOÃO: Olho Teresa. Vejo-a sentada aqui a meu lado, a poucos centímetros de mim. A poucos centímetros,  muitos quilômetros. Por que essa impressão de que precisaria de quilômetros para medir a distância, o afastamento em que a vejo neste momento? RAIMUNDO: Maria era a praia que eu frequentava certas manhãs. Meus gestos indispensáveis que se cumpriam a um ar tão absolutamente livre que ele mesmo determina seus limites, meus gestos simplificados diante de extensões de que uma luz geral aboliu todos os segredos. JOAQUIM: O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. JOÃO: Olho Teresa como se olhasse o retrato de uma antepassada que tivesse vivido em outro século. Ou como se olhasse um vulto em outro continente, através de um telescópio. Vejo-a como se a cobrisse a poeira tenuíssima ou o ar quase azul que envolvem

A Carolina, Machado de Assis

Querida! Ao pé do leito derradeiro, em que descansas desta longa vida, aqui venho e virei, pobre querida, trazer-te o coração de companheiro. Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro que, a despeito de toda a humana lida, fez a nossa existência apetecida e num recanto pôs um mundo inteiro... Trago-te flores - restos arrancados da terra que nos viu passar unidos e ora mortos nos deixa e separados; que eu, se tenho, nos olhos mal feridos, pensamentos de vida formulados, são pensamentos idos e vividos. Sobre Carolina Uma mulher por trás de um gênio. Se houvesse uma biografia da esposa de Machado de Assis poderia ser esta. O livro de Carolina. Sua voz, sua origem, sua ambição. Um romance recheado de correspondências originais, e um toque de requinte em sua construção literária. Fica a imagem de Carolina junto ao escritor: corrigindo seus escritos, transcrevendo-os, vendo-os nascer, hoje, títulos notórios. Seriam as obras de Machado seus filhos não tidos?A portuguesa Carolina Augusta de Novaes Ma

Vamos Pensar: Por Uma Geografia Cidadã, Milton Santos

  Vou começar como faço sempre, dizendo o seguinte:   as aulas fáceis não têm o menor interesse; os livros fáceis não têm o menor interesse; as conferências fáceis são uma chantagem em relação aos que se dispuseram a escutá-las . Estou dizendo isto com o temor de que para certos dos presentes algo do que vou dizer possivelmente venha a parecer complicado. Estou desde logo solicitando-lhes a tolerância, mas também a atenção. O tema que me foi encomendando é “Por Uma Geografia Cidadã”. Tomei a liberdade de atribuir-lhe um subtítulo e esta conferência vai se chamar  “Por Uma   Geografia Cidadã. Por uma Epistemologia da Existência” . Esta conferência vai se processar em quatro tempos ou pontos.  Primeiro ponto :  Por Uma Geografia Cidadã – por que uma Geografia Cidadã?  Em outras palavras, para que trabalhamos intelectualmente hoje? Pela necessidade da volta ao Homem.  Segundo ponto :  Geografias e Geografia, Espaços Adjetivados e Espaço Banal.  Já falamos nisto em outro lugar; voltaremos