Eu acabo de começar minha terceira
série de sessenta abdominais quando ouço a chave girar na porta de entrada. Ela
chega até a sala e atira a bolsa em cima da mesa. É inconfundível o choque do
metal da sua arma no tampo de vidro. Aproxima-se e percebo que me fita com o ar
de quem mal consegue disfarçar o ódio, e tenta exibir um desprezo que não
existe. Não falo nada, me limito a manter a respiração compassada e ruidosa ao fingir
concentração no exercício. Vista nesta perspectiva, de baixo pra cima, ela
parece bem mais alta do que realmente é, as coxas parecem mais grossas e o cabelo
fica mais bonito. Próximo à minha cabeça, no entanto, está fincado o seu scarpin
vermelho, que somado ao seu confuso semblante me deixa um tanto incomodado. Mas
não demora e ela some no corredor após soltar um daqueles soluços típicos de quem
vai chorar. A pancada na porta do quarto corre pelo assoalho e retumba nos meus
ouvidos. Fico preocupado, bem ou mal ela ainda é a minha garota. Temos, também,
planos em comum, somos comparsas, cúmplices fiéis nos nossos negócios: não
vivemos um sem o outro. E além de tudo – apesar de ser frio, cínico e às vezes
cruel – uma mulher chorando sempre mexe comigo, meu ponto fraco.
Termino a série, me levanto do chão e contraio rapidamente a
musculatura: os gomos do abdome saltam aos olhos. Chega uma mensagem do Cambota
no meu celular: a barbara levou chumbo ta
mau internou nas clinicas. Fazer o que agora? Seja lá a merda que aconteceu
já não posso fazer nada. Melhor cuidar de outros destinos. Pego a minha Glock
9mm, instalo o silenciador e vou averiguar o que se passa com a Elisa. Não faço
nada desarmado, nunca se sabe.
Giro a maçaneta sem sucesso. Bato à
porta do quarto. Nada. Bato mais forte. Nada. Começo a esmurrar e grito:
– Porra, Elisa, abre essa porta!
– Não! – a voz esganiçada, está
viva.
– Por quê?
– Porque não!
Enquanto ganho tempo fazendo rodeios
insistindo para que ela ceda, penso friamente no que fazer. Despejar a força
bruta do meu corpanzil na madeira? Desferir uma sequência violenta de chutes? Estourar
a tiros a fechadura? Sim, esta última solução é a melhor, não posso mais perder
tempo porque ela avisa:
– Eu vou me matar!
Imediatamente empunho a Glock e tomo
uma certa distância de segurança. Efetuo meia dúzia de disparos mesmo percebendo
que as duas primeiras balas já haviam arrombado a porta. Além de preocupado
estou puto. Porra, eu estava malhando tranquilamente e agora me vejo aperreado
com essas duas.
Desloco a porta com cuidado e vejo a
minha garota de pé encostada na parede oposta do quarto. Seu corpo trêmulo e o rosto
lavado de choro me desconcertam. Na mão direita ela segura a Randall modelo fighting stiletto que eu havia dado a
ela no dia dos namorados. A faca, ou mais apropriadamente o punhal, está apoiada
de modo perpendicular à sua carótida, a qual pulsa com vigor e dá uns trancos
ritmados na lâmina. Merda, por que essa cena? O Japa havia desbaratado nosso
esquema e ela ia, estoica, para o sacrifício? Não creio na inteligência dele.
Ou alguém que a estava acampanando resolveu aparecer e ameaçar sua filha? Improvável,
Elisa é das nossas melhores. Num átimo fui capaz de pensar em várias hipóteses.
Bárbara?! Seria possível? Não... Me recuso a acreditar que fosse por causa
daquela vadia.
A partir de agora é tudo muito rápido. Eu, nervoso, seguro a
pistola sem firmeza e tento manter o ombro de Elisa sob a mira – antes um ombro
aos pedaços que um pescoço rasgado ao meio. É tudo muito rápido. Meus olhos, aqueles
olhos azuis que ela bem conhece e ama tanto, dizem que qualquer movimento
brusco e eu atiro.
Foi tudo muito rápido.
Para conhecer mais sobre Francisco Borges Neto leia também:
Soneto da Esperança,
Bingo, está nascendo um novo autor,
Dia da Poesia,
Vencidas As Primaveras Insípidas.
Para conhecer mais sobre Francisco Borges Neto leia também:
Soneto da Esperança,
Bingo, está nascendo um novo autor,
Dia da Poesia,
Vencidas As Primaveras Insípidas.
Muito bom! Valeu, Aranha! Conto rápido e preciso como a bala que sai do cano do revólver!
ResponderExcluirNeto.