Foi a partir de hotél onde eu não posso entrar legalmente que coloquei meus primeiros textos na rede. Minha pele branquela - herdada de dois avós espanhóis - me permitiu burlar os seguranças, que pensavam que eu era estrangeira. Se por acaso me perguntavam aonde eu ia, eu respondia com um germânico " Entschuldigung, ich spreche keinen Spanish" (desculpe, eu não falo espanhol). Levava o pen drive com os últimos posts e o relógio me alertava que dali a quinze minutos não poderia mais pagar o alto preço da conexão à internet. Seria uma facada no bolso caso eu demorasse demais entre um clique e outro.
Tantos atropelos para infiltrar-me nos segregados enclaves turísticos, e alguns meses depis o governo de Raúl Castro anunciaria que terminava o Aparthaid. Teríamos permissão para comprar computadores e hospedar-nos em hotéis, mas não ficou claro com que salário pagaríamos os preços excessivos desses serviços em moeda conversível. Apesar dessa flexibilização, nós cubanos continuamos a ser internautas sem documentos, já que nossas incursões no terreno da internet estão marcadas pela ilegalidade. As transgressões acontecem quando alguém compra uma senha no mercado negro para acessar a rede, ou usa uma conexão oficial para entrar em páginas bloqueadas. Se em vez disso pagamos o preço exorbitante da conexão num hotel, automaticamente delatamos a fonte ilegal de nossos recursos materiais. Eu pertenço a esse último grupelho de criminosos, pois há 10 anos me dedico a ganhar a vida como professora de espanhol e guia turística, sem ter licença para isso.
Quando ainda não era permitida a venda de computadores, eu já havia tido que afirmar diante de dezenas de jornalistas que possuía laptop.Todos sabiam que eu não poderia tê-lo adquirido legalmente nas lojas de meu país e esse era um risco que pressagiava confiscos. Não obstante, minhas declarações exibicionistas pareciam proteger-me em vez de comprometer-me. Compreendi então que o fenômeno blogger era novo também para os censores; não sabiam ainda como lidar com ele. Cada tentativa de silenciar meus escritos, geraria mais e mais hits no servidor onde estava hospedado meu blog. Os tempos tinham mudado e os métodos de coação não tinham conseguido se adaptar à velocidade que a tecnologia tinha imposto.
Por outro lado, o mecanismo de uma antiga máquina de lavar soviética sustenta cada post que consigo publicar. O processo de disponibilizarr textos no mundo virtual é esquisito demais para ser compreendido por qualquer um que não vida em Cuba. Nada de imediatez ou de prenteder ser informativa: meu acesso à rede só me permite apelar à reflexão ou à crônica que não envelhecem rapidamente. O estilo de meus textos e seu enfoque estão condicionados pela indigência informática que os cerca e pela evasiva internet, tão escassa aqui como a tolerância. Para aumentar as dificulddes , em março de 2008 o governo cubano instalou um filtro tecnológico para impedir meu blog de chegar ao interior de Cuba. Por sorte, a própria comunidade de leitores que havia sido criada impediu que se colocasse uma placa de "fechado" na minha página web. Mãos virtuais e amigas me ajudaram a manter meu espaço, apesar de eu ter me convertido numa blogueira às cegas.
Um texto de Andrew Sullivan intitulado " Por que blogo?" caiu em minhas mãos quando Generación Y estava há meses na rede e já haviam me outorgado o prêmio Ortega y Gasset de jornalismo. Ao lê-lo acabei entendendo que meu espaço não cabia no conceito de um blog. Para mim era impossível atualizar todo dia, ou narrar a imediatez do que acontecia na outra esquina. Tampouco podia tomar parte nos comentários que cada texto gerava ou responder as perguntas que os leitores faziam. Entretanto, as carências tecnológicas foram compensadas pelo surgimento de outros inventores de criaturas peculiares como a minha. Já não estava tão sozinha na blogosfera da Ilha, pois surgiram sites como Octavo Cerco, de Cláudio Cadelo, Desde Aquí, mantido por Reinaldo Escobar, Habanemia, da jovem Lía Villares, e Sin Evasión que Miriam Celaya administra com agudeza. Foi rara a semana em que não tomei conhecimento da aparição de um novo espaço virtual e pessoal, feito em cuba e marcado pelas mesmas dificuldades tecnológicas que eu tinha. A proximidade de temáticas e a necessidade de transmitir experiências uns aos outros fizeram com que nos encontrássemos frequentemente, naquilo que batizamos de "jornada blogueira".
Criamos cópias de nossos blogs para leitores que nunca poderiam conectar-se à grande teia de aranha mindial.Em shows, exposições e praças públicas distribuíamos nossos textos sabendo que essa pequena difusão tem como contrapartida um desejo oficial de nos silenciar. Cada cópia entregue é como a inoculação de um virus de consequências imprevisíveis: o bacilo da opinião livre, a infecção que contraem uns ao ver outros se expressando sem máscaras. Uma sociedade cheia de diques e controles é especialmente suscetível a essa gripe blogueira, sobretudo se a vacina contra ela se baseia nos desgastados métodos de outrora: a difamação, as acusações de que somos fabricados pela CIA e a tentqtia de fazer parecer que não somos parte do "povo".
Transcrito na íntegra do livro
De Cuba Com Carinho,- Yoani Sánchez, 2009
Tradução de:Benivaldo Araujo e Carlos D.Petrolini Jr
Ed.Contexto, págs.26 a 29
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