Um moço em Curitiba devia se afogar...
Carlinhos retocou as pontas da gravata — uma gravata de bolinhas azuis, mas não era feliz. Olhou de todos os lados: onde o mar?
— ... no último barril de rum!
Saía do emprego e reunia-se no café com os amigos. Cobria a xícara de cigarros, no mármore da mesa desenhava trinta vezes o seu nome de guerra.
— Uma mulher é o que falta a um moço como eu!
Com zumbido de abelha corriam os bondes sobre os trilhos — todas as caras na janela.Voltou para o quarto, um, dois, feijão com arroz, Mulher como a dama das camélias, disse consigo, chutando uma pedra.
Dia 17 de abril de... não me lembro o ano, às sete e meia da noite. Carlinhos quis voltar e parou, com a perna no ar: nada por fazer no quarto. Anda, anda, minha perna, três, quatro,feijão no prato.
Os pares dançavam na sala, as cadeiras ao longo da parede. Ele fumava à janela, por vezes repuxava a gravata de bolinhas — aquilo sim era gravata! No oitavo cigarro decidiu falar com a menina feia, sozinha no canto.
Ela deixou cair a folha de papel: era modinha de Sílvio Caldas. Carlinhos entregou a
canção com o gesto de quem oferecia uma flor.
Sugeriu que devia tocar piano, dedos tão delicados. Muita vontade de aprender, mas o pai não queria. Ó, doente por música! Ele quis saber se gostava mais de Sílvio Caldas ou Orlando Silva. A mocinha olhou primeira vez nos seus olhos — os belos olhos de Carlinhos — e disse Orlando Silva. Ele foi cruel: Sílvio Caldas. Até inventou retrato com dedicatória: "Do Sílvio ao amigo velho".
A aniversariante chegou com pratinhos de ambrósia.
— Conhece a Branca?
Acompanhou-a depois das aulas. Vinha do café, postava-se debaixo da tabuleta: "Alta Academia de Corte e Costura — Professoras Josefa e Soledade".
Nove da noite surgiam apressadas as mocinhas, cada uma com pacote no braço. Na rua de barro, Branca estendia a mão pálida. Que não fosse até a porta, o pai era muito esquisito. Em
despedida, o cartão colorido — namorados se beijavam no cara-manchão de rosas. Dois nomes desenhados no canto.
Os amigos riam-se no café, passando o cartão de um para outro. Carlinhos fez juramento público: ela seria sua.
Aquela noite Branca veio sozinha. Ninguém na rua, a sombra redonda das árvores na calçada. Uma coisa importante para lhe dizer. Branca pediu que não, a mãe ralharia se chegasse tarde. Carinhos enterrou as mãos no bolso, não falou mais. Daí ela parou, por quê estava zangado? "Nada", respondeu ele. Encostou-a na primeira árvore e a beijou, cheia de medo.
Entendeu passos, ergueu o pacote do chão. Foram andando. À sombra de outra árvore empurrou-a contra a parede. Branca abriu no choro, ele sentia o próprio rosto molhado — " Não chore, sua boba".
Acordou de noite, olho arregalado no escuro. O choro de Branca ao lado da cama.Acendeu a luz, ninguém. Miserável! ele se injuriou. Sonhava com ela entre cadeiras vazias,rasgando a modinha de Chico Alves. Pelo gosto ruim na boca soube que a amava.
À espera na esquina, mão trêmula. Que bobagem, um homem na minha idade. Saíam as mocinhas, não viu Branca. Seguiu-as, nem uma era ela.
Noite seguinte informou-se com uma colega: doente. Sofria do coração, a pobre, disse a moça e foi-se com outra, as duas rindo-se dele. Voltou para o quarto, o remorso igual a uma gravatinha no pescoço era o remorso.
Não podia ouvir o Orlando Silva sem que lhe doesse o peito: uns dedos furadinhos de agulha... Doente, quem sabe à morte.
Escreveu com giz o nome Branca em todas as portas da rua. Não tornou ao café (os amigos lembravam-se do juramento) e primeira vez bebeu rum. Outras noites rondando a Academia, olho vermelho de tanto soletrar Josefa e Soledade.
Há meses assobia nos portões, um grilo entre as couves. Quando ele passa, o guarda-noturno leva dois dedos ao boné. Nunca mais trocou de gravata — ai, bolinhas azuis! Sem saber se Branca morreu, chega ao café. Um amigo pergunta como vai de amores.
— Você deve se afogar no barril de rum.
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