Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de fevereiro, 2025

Hummmmmm, bate-bola do carvalho, conto de Wagner Fontes

     Véspera de Carnaval, Samuel acaba de deixar Ingrid em casa. De família tradicional, seus pais não permitem que chegue tarde, mas essa situação pode mudar, pois o pai de Ingrid está de viagem marcada para o continente africano.      – Quando o seu pai irá viajar?      – Acho que sexta de Carnaval.      – Que legal!      – Mas minha mãe não deixa eu chegar depois das dez da noite.      – Puta que pariu.      – Mas poderemos curtir as matinês.      Não era o que queria Samuel, até porque às dez da noite Ingrid teria que estar em casa.      – Vou te apresentar à minha mãe. Amanhã será o aniversário dela. Com certeza estará mais receptiva. Assim espero.      O namoro já passava de dois meses e nada de mais sensual acontecia, a não ser na esquina da casa de Ingrid, atrás de um caminhão abandonado. Ali acontecia um pouco mais de intimidade....

Por Que Meus Amigos Mudaram Tanto? Crônica de Ruth Manus

     Cadê aquela galera toda que eu conhecia tão bem? Houve um tempo em que tudo parecia muito estável e muito seguro. Tudo e todos. Eles eram todo dia os mesmos e nós achávamos graça nas mesmas piadas, assistíamos os mesmos programas na TV, gostávamos das mesmas bandas. Nossos tímidos planos de viagens eram conjuntos, nossos planos para o fim de semana harmonizavam perfeitamente. Esse tempo passou.      Hoje em dia é um pouco estranho. O tipos de humor mudaram. Cada um assiste uma série diferente- somente game of thrones ainda é capaz de unir parte de nós. Alguns ouvem Liniker enquanto outros elevam o volume ao máximo berrando sobre o cake by the ocean. Uns fumam, outros não comem carne, outros só sabem se divertir com muito destilado, outros insistem em propor restaurantes que cobram R$150 por cabeça. A gente acaba ficando confuso.      Poderia dizer que hoje tenho um rol muito mais rico e diverso de amigos. Opiniões diferentes, programas d...

Vamos Pensar? vida do pato (20)

 

Pequenas Gentilezas, poesia de Danusha Lameris

Estive pensando na maneira como, quando você caminhapor um corredor lotado, as pessoas recolhem suas pernas para deixar você passar. Ou como estranhos ainda dizem “Deus te abençoe” quando alguém espirra, um resquício da Peste Bubônica. “Não morra”, estamos dizendo. E das vezes que, ao derrubar limões de sua sacola de compras, outra pessoa o ajuda a recolhê-los. Na maioria das vezes, não queremos magoar uns aos outros. Queremos que receber nossa xícara de café quente, e agradecer à pessoa que a entregou. Sorrir para ela e esperar que ela sorria de volta. Para que a garçonete nos chame de  querido  quando colocar na mesa a tigela de sopa de mariscos, e para que o motorista da picape vermelha nos deixe passar. Temos tão pouco uns dos outros agora. Estamos tão distantes da tribo e do fogo. Apenas esses breves momentos de partilha. E se eles forem a verdadeira morada do sagrado, estes templos fugazes que construímos juntos quando dizemos “Aqui, pegue o meu lugar”, “Por favor, você ...

Morango Sardento, Julianne Moore - o "perigoso" livro infantil banido por Donald Trump

  A atriz norte-americana Julianne Moore estreia na literatura com um livro autobiográfico: Morango Sardento traz a experiência de infância desta ruivinha admirada mundialmente. A edição brasileira conta com a participação de outras duas atrizes importantes: Fernanda Torres assina a simpática tradução e Debora Bloch – que também foi um “morango sardento” – escreveu o texto de quarta capa.   Envergonhada pelo apelido de “morango sardento”, a protagonista do livro experimenta até tomar banho com suco de limão para tentar eliminar suas sardas. A autora conta como fez de tudo para se livrar não só das pintinhas, como da autorrejeição. A ilustradora vietnamita LeUyen Pham acrescenta humor às cenas. Morango Sardento mostra que, para “viver feliz para sempre”, é preciso se aceitar, com suas sardas e seu cabelo vermelho. Afinal, “quem liga para um milhão de sardas quando se tem um milhão de amigos?”. Debora Bloch concorda: “Quando a gente é criança, sempre pensa que é melhor ser difer...

Narrativas Epistolares, Alfredo Sampaio e Priscila Aquino

Uma carta para não ser lida Vitória, 15 de dezembro de 2024. Beatriz, Hoje acordei decidido. Na minha vida, há algumas pontas ainda sem os devidos nós e tirei o dia para pôr essa tarefa em dia. Resolvi te escrever uma carta que nunca vai ser lida. Isso mesmo, nunca vai ser lida, mesmo porque nunca existiu. Diante de seu silêncio e da minha inação, restou apenas registrar o que aconteceu comigo. Você sequer imagina os fatos que ocorreram e que motivaram alguns escritos, entre eles alguns miseráveis poemas e essa carta. Encantei-me com você há um certo tempo. Seus olhos e cabelos pretos, seu sorriso apertado nos lábios, um certo grau de miopia e seu jeito extremamente simples, cativante e delicado me encantaram. Foi tudo muito rápido: esse seu jeito despojado de ser e de conduzir a vida encantou-me. Você, Beatriz, irradia simpatia. Meus dias se resumem entre encontros propositalmente provocados, duas trocas de olhares e um sorriso, não mais que isso. Foi tudo que bastou: nunca conversei...

Mar, crônica de Rubem Braga

     A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho. Estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos contava que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a maré, que e menor que o mar, e a marola, que é menor que a maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enorme e duas lagoas. Mas o menino explicava que não. O mar entrava pela maré e a maré entrava pela marola. A marola vinha e voltava. A maré enchia e vazava. O mar às vezes tinha espuma e às vezes não tinha. Isso perturbava ainda mais a imagem. Três lagoas mexendo, esvaziando e enchendo, com uns rios no meio, às vezes uma porção de espumas, tudo isso muito salgado, azul, com ventos.      Fomos ver o mar. Era de manhã, fazia sol. De repente houve um grito o mar! Era qualquer coisa de larga, de inesperado. Estava bem verde perto da terra, e mais longe estava azul. Nós todos gritamos, numa gritaria infer...

História da Coleção Para Gostar de Ler

As duas séries: Bom  Livro  e Coleção Vagalume eram o grande sucesso da Editora Ática  nos anos 60. Foi nessa época que o escritor Affonso Romano de Santana ligou para o editor Jiro Takahashi e lhe contou que Rubem Braga estava muito frustrado com a baixa venda de suas crônicas. Jiro ficou perplexo porque para ele, Rubem Braga era o melhor cronista do Brasil.      O editor, então, juntamente com Affonso Romano, procurou Rubem Braga e Fernando Sabino. tinham ideia de fazer um projeto que levasse as cr6onicas a quem, segundo eles, deveria estar lendo:  os jovens. Procuraram mais dois escritores. No projeto que já tinha Rubem Braga, Fernando Sabino e Affonso Romano,  acrescentaram Carlos Drummond de Andrade e Paulo Mendes Campos. A ideia era  que as crônicas deveriam entusiasmar professores e estudantes.    Jiro Takahashi dividiu a seleção de material em duas etapas:  primeiro um grupo de professores escolheu aproximadamente 60 te...

Hora de Dormir, crônica de Fernando Sabino

- Por que não posso ficar vendo televisão? - Porque você tem de dormir. - Por quê? - Porque está na hora, ora essa. - Hora essa? - Além do mais, isso não é programa para menino. - Por quê? - Porque é assunto de gente grande, que você não entende. - Estou entendendo tudo. - Mas não serve para você. É impróprio. - Vai ter mulher pelada? - Que bobagem é essa? Ande, vá dormir que você tem colégio amanhã cedo. - Todo dia eu tenho. - Está bem, todo dia você tem. Agora desligue isso e vá dormir. - Espera um pouquinho. - Não espero não. - Você vai ficar aí vendo e eu não vou. - Fico vendo não, pode desligar. Tenho horror de televisão. Vamos obedeça a seu pai. - Os outros meninos todos dormem tarde, só eu que durmo cedo. - Não tenho nada que ver com os outros meninos; tenho que ver com o meu filho. Já para a cama. - Também eu vou para a cama e não durmo, pronto. Fico acordado a noite toda. - Não comece com coisa não, que eu perco a paciência. - Pode perder. - Deixe de ser malcriado. - Você mesm...

O Boi de Barro, poema de Mauro Mota

A abelardo Rodrigues Andando em muitos sapatos e jamais nas suas patas, entre enormes chifres curvos sente-se ( o boi) entre aspas. É um boi verde vidrado acuado em cima da estante. É um boi desenterrado, telúrico e ruminante. Quem o desenterrou foi Abelardo em Tracunhaém. No barro da beira-rio estava escondido o boi desgarrado do rebanho. Feito do gado anterior, de estrume e de capim seco, é este boi ruminador. Estava desfeito ou feito? No ato da exumação, apareceram sangrantes as feridas do aguilhão, da corda e do pau da canga da asfixia do cambão, de ferro em brasa nas ancas da chaga da castração. As quatro rodas chiadeiras do carro que já puxara rodaram sobre o esqueleto, fizeram sulcos na cara. A semente vacum dentro do chão mole do curral. O boi vegetariano, vegetal e mineral, comeu do pasto e foi pasto, misturou-se com o chão para nascer no roçado, oculto na plantação, dando marradas no vento da várzea pernambucana, esse boi de chifres doces, chifres de cana-caiana. Toca o cho...

Vai Um Cafezinho Aí? texto de Priscila Aquino

O verão no Brasil não é para amadores. Em várias cidades, de Norte a Sul, os termômetros vêm esbarrando facilmente na casa dos 40 graus nesses últimos dias. Esse fato, por si só, deveria significar algumas mudanças de hábitos e comportamentos que podem amenizar o calorão que toma conta do país. Banhos frios são bem-vindos seja no mar, em piscinas, chuveiro e mesmo de mangueira; a alimentação pede cardápios mais frescos com frutas e saladas; e as roupas ganham tecidos finos e cortes mais curtos e soltos. Mas é curioso observar como o brasileiro se mantém fiel a um hábito diário que em nada ajuda a superar o calorão. O cafezinho! É como se o cafezinho fosse um símbolo de resistência, uma espécie de amor à primeira xícara que, por mais que o calor aperte, nunca deixa de ser parte da rotina do brasileiro. Essa relação que vai além da bebida, se manifesta como um vínculo emocional, cultural e quase instintivo. Um cafezinho quente pela manhã, ou um expresso depois do almoço, continuam sendo...

Porque Hoje É Sábado...(1)

 

Assim Começa O Livro Que Eu Comecei

1 Era meu irmão quem organizava da Inglatera as chamadas dominicais de Zoom, nosso turbulento ritual de lockdown: dois de nós entravam de Lagos, outros três dos Estados Unidos, e meus pais, às vezes com muitos ecos e chiados, de Abba, a cidade de nossos antepassados no sudoeste da Nigéria. No dia 7 de junho lá estava meu pai, como de costume som com a testa aparecendoo na tela, porque ele ninca sabia muito bem como segurar o telefone durante as chamadas de vídeo: "Mude um pouco a posição do telefone, pai", dizia um de nós. Meu pais estava preocupado com meu irmão Okey por causa de um novo apelido, depois disse que não jantou porque tinha almoçado tarde, depois falou sobre o bilionário da cidade vizinha que queria confiscar as teras ancestrais da aldeia. Não estava se sentindo bem e andava dormindo mal, mas nào precisávamos nos preocupar. No dia 8 de junho, Okey foi visitá-lo em Abba e disse que ele parecia cansado. no dia 9, não me alonguei muito em nossa conversa para ele p...

Poema da Pamonha, Luciano Spagnol

  Pamonha... Iguaria do quintal do Goiás Na tradição ponha A moda, aliás Saborosa Do milho verde, assaz Na palha, trouxa cheirosa Cremosa Apetitosa Também, das Gerais Quentinha e requentada É sempre mais... Tradição nos arraiais Da culinária ais, lais Dos milharais No costume instituído Quem nunca, jamais Servido! é demais... Fonte: Recanto das Letras Dia estadual ( Goiás) da pamonha: 3 de fevereiro pela Lei 22.535

Eu Queria Ser Céline Dion, conto de Cícero Belmar

Era cansaço de mim. Eu estava cansado de ser aquilo, um simples Juscelino Pereira da Silva. Da vidinha chata, os dias iguais se repetindo, sempre na mesma merda. E o pior de tudo, sozinho. Era como se ninguém me visse.      Iria completar 30 anos daquele jeito? Juntei um dinheirinho e disse: vou fazer uma viagem. Mamãe ainda quis me convencer a não ir. As mães sabem que as viagens são transformadoras.      Fui para São Paulo, com endereço certo. Tempo suficiente para dar um show em mim. Preenchi os peitos com silicone, a agulha era grossa, mas valia a pena. Ganhei bochechas, as maçãs do rosto ficaram mais altas, os lábios mais sensuais. A pele ardeu feito queimadura, mas é o preço que se paga. Implantei megahair. Meu cabelo era aquela coisinha chupada e veio bater na altura da bunda. Comprei unhas postiças. Vermelho-vivo.      Bela, me define.      Se alguma vez fui Juscelino, não me lembro. Virei Céline. É um nome que pare...

No País dos Meus Sonhos, Chico Anysio 1988, programa de Hebe Camargo

Andando há 40 anos por este país, catando dinheiro para levar pra casa, eu aprendi a acreditar. Acreditar na terra, no homem, na chuva, na bênção, na semente, no fruto, no coração, na mente… na inteligência.  Aprendi, com o meu povo, que quando uma coisa está muito séria, o melhor que se faz é brincar com ela. E, naquelas tardes terríveis, sozinho num quarto de hotel, esperando a hora do show, eu comecei a desenhar o pais dos meus sonhos.  Um país onde cada lavrador tenha um par de bois para puxar seu arado e que de tarde, ao voltar para casa, encontre um par de filhos o esperando e à noite quando for dormir, tenha um par de pernas para amar;  no país dos meus sonhos, todo pobre vai comer, todo hospital terá remédios, todo aluno terá colégio, todo professor ganhará um salário decente e todo policial apenas prenderá os bandidos, em vez de os ajudar a matar e a roubar;  no país dos meus sonhos todo cego vai ver, todo surdo vai ouvir e todo mudo vai ver e ouvir coisas t...