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Frutos, Mia Couto

 

A bondade da mangueira

não é o fruto.



É a sombra.



A térrea,

quotidiana,

abnegada sombra:

no inverso do suor colhida,

no avesso da mão guardada.



Há a estação dos frutos.

Ninguém celebra a estação das sombras.



Assim, o amor e a paixão:

um, fruto; outro, sombra.



A suave e cruel mordedura

do fruto em tua boca:

mais do que entrar em ti

eu quero ser tu.



O que em mim espanta:

não a obra do tempo

mas a viagem do Sol na seiva da árvore



A arte da mangueira

é a veste de sombra

embrulhando o seu ventre solar.



Para o homem

vale a polpa.



Para a terra

só a semente conta.






(em: Tradutor de Chuvas)

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