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Mostrando postagens de julho, 2023

O Grande Encontro dos Desaparecidos, Moacyr Scliar

Por muitos anos, Moacyr Scliar escreveu na folha de São Paulo. A partir de uma manchete real publicada no citado jornal, o escritor criava um conto.   O texto abaixo, com a manchete em que se baseou, é um exemplo.   “Sem destino: 102,2 mil desapareceram em 6 meses. ” Cotidiano, 10 jul. 1999      Uma vez ao ano os desaparecidos se reúnem. Sempre em data diferente e em local diferente: às margens de um grande rio, no meio da floresta, no alto de uma montanha. Ninguém falta. Por certos mecanismos de comunicação, do qual só os desaparecidos têm conhecimento, a notícia chega a todos e a cada um deles.      No dia aprazado lá estão. Usam máscaras, naturalmente. Alguns – precaução adicional – colocam vendas sobre os olhos: não querem ver os rostos, mesmos disfarçados, dos outros desaparecidos.      O encontro é, sobretudo, de trabalho. Para isso, os desaparecidos são divididos em comissões temáticas, que têm como objetivo responder a perguntas cruciais: é lícito desaparecer quando há uma cris

O Pobre Que Ganhou no Bicho Graças a Nossa Senhora, Gilberto Freyre

     Outro orientalismo na vida — inclusive na mística do brasileiro não só de Recife como do Brasil inteiro — parece que é o jogo do bicho. Diz-se que foi o barão de Drummond que o inventou. Mas em 1900 já havia quem sustentasse que não: que o jogo do bicho, em vez de inventado por brasileiro, fora adaptado ao Brasil, de modelo ou exemplo oriental. “A suposta e portentosa criação do finado barão de Drummond” — escrevia o Jornal pequeno, do Recife, em sua edição de 4 de setembro daquele ano: o primeiro ano de um novo século ou assim comemorado na capital de Pernambuco como noutras capitais, inclusive Londres — “o jogo dos bichos, hoje inveterado para sempre, talvez, em todas as classes da sociedade carioca e de quase todo o Brasil, não é positivamente uma criação, mas uma adaptação consciente ou inconsciente do que se pratica há longos anos na Cochinchina”. E para prová-lo, citava recente livro de um Pierre Nicolas no qual se descrevia velho jogo oriental com 36 bichos, evidentemente p

Velho Atabaque, Solano Trindade

  Velho atabaque quantas coisas você falou para mim quantos poemas você anunciou Quantas poesias você me inspirou às vezes cheio de banzo às vezes com alegria diamba rítmica cachaça melódica repetição telúrica maracatu triste mas gostoso como mulher... Triste maracatu escravo vestido de rei loanda distante do corpo e pertinho da alma negras sem desodorante com cheiro gostoso de mulher africana zabumba batucando na alma de eu... Velho atabaque madeira de lei couro de animais mãos negras lhe batem e o seu choro é música e com sua música dançam os homens inspirados de luxúria e procriação Velho atabaque gerador de humanidade...              ( O poeta do povo , p. 73) Leia  também: Nascido em 24 de julho: Solano Trindade Canto à Amada , Solano Trindade Leia aqui sobre o autor

O Retrato, Charlie Lovett - resenha.

Recebi o livro  O retrato , do autor  Charlie Lovett , publicado pela  Editora Novo Conceito  e confesso  que foi uma escolha às escuras. Não sabia ao certo o que iria encontrar na trama e até que achei uma leitura razoável… Mas… oras, o livro não é bom? É sim, mas não chego a classificá-lo como um dos melhores livros que li na vida, mas para leitores que buscam romance com uma pitada de mistério e idas e vindas em épocas diferentes, é um livro que vai satisfazer quem se adentrar em sua história… Vamos lá… Peter Byerly  é um amante de livros que perdeu sua esposa recentemente,  Amanda . É um homem inseguro, que só conseguia se envolver e interagir socialmente quando a mulher estava por perto, ela era seu porto seguro, e depois de sua morte, ele resolveu se isolar completamente e apenas em seus livros conseguia anestesiar sua dor… Até que de repente, ele se depara com uma fotografia antiga, dentro de um livro raro, e a mulher da foto parecia Amanda. Em busca de respostas, Peter acaba se

Conversa de Casados, Carlos Drummond de Andrade

Ora, dá-se que o jovem casal completou trinta e seis anos de união, e eu resolvi entrevistá-lo. Quem sabe se os dois teriam alguma receita de felicidade? Levei um questionário indiscreto. Primeira pergunta: — Como é que vocês conseguiram passar tanto tempo juntos? Os dois, a uma voz: — Não foi tanto assim. Um terço (doze anos), dormindo oito horas por dia. — Mesmo assim, meus caros! Ela esclareceu: — Havia o trabalho dele, que nos separava durante a maior parte do dia. — E ela passou a maior parte da vida no cabeleireiro — completou ele. Eu: — Cabeleireiro, trabalho e sono: será isso a vida em comum? — Não — disse ela sorrindo. — Há os intervalos. — De qualquer maneira, trinta e seis anos! É um latifúndio. Ela: — Bem, brigamos o necessário. — Está satisfeito agora? Eu: — Ainda não. Brigas feias, dessas de atrair vizinho? Ele ponderou: — Como quer você que uma briga seja bonita? Brigamos como foi possível. Confesso que a iniciativa geralmente era minha. Ela, porém, provocava sempre. —

Comecei a ler: O Barco das Crianças, Mário Vargas Llosa

      Era uma vez uma velhinho que toda manhã bem cedo, sentado num banco de uma pequeno parque em Barranco, contemplava o mar. Fonchito via de sua casa, emquanto se preparava para ir para o colégio. Aquele velhinho o intrigava: o que fazia ali, sozinho, a essa hora, todos os dias? Sentia um pouco de pena dele. Um dia, não aguentando mis de curiosidade, logo depois de acordar we antes de que o ônibus do colégio viesse buscá-lo, saiu de casa e foi até o parquinho. Sentou no mesmo banco que o velho e, após um instante de hesitação, tomou coragem e murmurou: "Bom dia". O velho se virou para olhá-lo. Fonchito reparou que em seu rosto cheio de rugas cintilavam uns olhos vivos e ainda jovens. Uns olhos tão intensos que parecias ter visto todas as maravilhas que existem no mundo. Seu cabelo era muito branco, assim como as sobrncelhas, e sua cútis, barbeada com esmero, era muito pálida quase translúcida. Parecia muito frágil; sua magrza extrema lhe dava aspecto quase irreal.

Da Banda I.R.A para Ferenc Malnór. Rua Paulo

É na rua Paulo que me sinto bem Pois os meus amigos são de lá também Já faz algum tempo que não sei como é que estão Advogados, bêbados, dentistas, eu faço canção Da esquerda pra direita não consigo encontrar Um lugar pra residir, um lugar para descansar Sou menino da rua Paulo de um bairro em Budapeste Sou menino de São Paulo, lá da Vila Mariana Andando nas ruas o sol me faz suar E o som de máquinas e homens se misturam no ar Então as coisas fluem e me deixo levar Até o bar mais próximo as mágoas encharcar Eu já sou um homem e estou na selva E se arrumar encrencas, só minhas costas pesarão Eu já sou um homem, mas mereço umas palmadas Oh, amor, te peço: Só não batas na minha cara, iê, ê Dance Dance Dance Dance Oh, baby, dance Dance Eu já sou um homem e estou na selva E se arrumar encrencas, só minhas costas pesarão Eu já sou um homem, mas mereço umas palmadas Oh, amor, te peço: Só não batas na minha cara Sou menino da rua Paulo de um bairro em Budapeste Sou menino de São Paulo, lá da V

Os Bruzundangas (Prefácio de ) Lima Barreto.

Pre fácio   Na A Arte de Furtar, que ultimamente tanto barulho causou entre os eruditos, há um capítulo, o quarto, que tem como ementa esta singular afirmação: “Como os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões.”   Não li o capítulo, mas abrindo ao acaso um exemplar do curioso livro, achei verdadeira a coisa e boa para justificar a publicação destas despretensiosas “Notas”.   A B ruzundanga fornece matéria de sobra para livra-nos, a nós do Brasil, de piores males, pois possui maiores e mais completos. Sua missão é, portanto, como a dos “maiores” da Arte, livra-nos dos outros, naturalmente, menores.   Bem precisados estávamos nós disto quando temos aqui ministros de Estado que são simples caixeiros de venda, a roubar-nos muito modestamente no peso da carne-seca, enquanto a Bruzundanga os tem que se incubem unicamente, no seu ofício de ministro, de encareceram o açúcar no mercado interno, conseguindo isto com o vend6e-lo abaixo do preç