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Adalgisa Nery: esquecida pelo machismo estrutural?

Há 35 anos longe das prateleiras, é relançado 'A imaginária', de Adalgisa Nery


Livro é misto de ficção e autobiografia sobre a condição feminina e o machismo imperativo.


Ângela Faria



























A intimidade de Adalgisa/Berenice com a morte chega a ser poética. Os capítulos em que a jovem descreve o calvário do marido são pungentes – “aquele corpo de homem atlético e bem conformado, de linhas vigorosas, murchava aos meus olhos como planta cansada”. A quase viúva descreve, serena: “É terrível assistir aos movimentos lentos que a morte faz sobre um corpo (...) O vácuo só tem realidade concreta no segundo que precede à morte”. Despede-se dele sem xiliques: abre o armário e se abraça às roupas do amor de juventude – “os seus ternos, as suas gravatas, as suas camisas deram-me o consentimento para um carinho com intimidade”. Viúva, “tomada do destemor e da coragem de quem nada possui senão a solidão e a amargura”, liberta-se das chantagens da mãe enlouquecida do marido. Sai de casa com os filhos, vai à luta – isso, na década de 1930, quando mulheres sem marido, quando muito, eram tratadas como “agregadas” nos clãs brasileiros.

VAMPIRISMO Em ensaio escrito em 1988 sobre o romance de Adalgisa Nery, o crítico e poeta Affonso Romano de Sant’Anna lamenta o fato de histórias das letras brasileiras nem sequer mencionarem a autora. Para ele, A imaginária é um texto relevante para a nossa moderna literatura, abordando de forma contundente o vampirismo masculino sobre a alma feminina.


“A imaginária é um romance de formação. Uma estória que ilustra como a sociedade e os homens imprimem na mulher as marcas da dominação e da repressão. E é, por outro lado, a narrativa de como a mulher faz seu doloroso percurso de liberação desse massacre”, afirma Affonso. Oportunamente, o pequeno ensaio é reproduzido na nova edição.


O ostracismo imposto à autora é atribuído ao fato de ela ter se casado com Lourival Fontes, chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda, o temido DIP, que tanto censurou intelectuais e artistas durante a ditadura Getúlio Vargas. A relação durou 14 anos. Adalgisa publicou seu primeiro poema em 1937, lançou vários livros de poesia e ficção, tornou-se jornalista e assinou a coluna “Retrato sem retoque” no jornal Última Hora, com comentários sobre política e economia.


CASSAÇÃO Musa dos pintores – ficaram famosos retratos dela pintados por Ismael e Portinari –, era amiga de Diego Rivera e Frida Kahlo. Elegeu-se deputada pelo Partido Socialista Brasileiro, Partido Trabalhista Brasileiro e Movimento Democrático Brasileiro, mas foi cassada em 1969 pela ditadura militar. Aos 70 anos, internou-se voluntariamente numa clínica geriátrica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde morreu, em 1980. Três anos antes, havia sofrido um acidente vascular cerebral que a deixou hemiplégica.


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