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A Terceira Metade, Gustavo H.B. Franco

O mundo não vai acabar amanhã, conforme pensam as duas metades do Brasil mobilizadas pela disputa
em caso de derrota. Como uma delas necessariamente vai perder, o mau humor de muita gente será compreensível. A taxa de grosseria, que já estava alta, vai crescer mais ainda. Respire fundo e, por favor, seja moderado(a) ao festejar e, sobretudo, ao engolir o choro.

O perdedor deve perder em paz, pois o esporte não ganha nada com a catimba, e sobretudo porque a vida segue na segunda-feira: o botequim vai ter de abrir, assim como o Parlamento. Todo mundo vai sair para trabalhar já pensando no futuro, e a fila vai andar.

Aliás, esse é o ponto essencial: o processo termina hoje, o vencedor levanta a taça, não é preciso aplaudir, nem apoiar. Tem sempre uma reclamação, um pedido de recontagem, e a torcida perdedora habitualmente desanca o juiz. É feio, mas não é golpe. Só é obrigatório tolerar.

Na verdade, a derrota vai ser um grande exercício de tolerância para a metade do Brasil com a cabeça inchada, e que conhece essa sensação pelo Brasileirão por pontos corridos.

Na verdade, de cabeça inchada também já estão os torcedores de todos os outros clubes que ficaram pelo caminho, insatisfeitos com a escolha entre dois populismos que se apresentam neste domingo.

Nós, os perdedores, teremos o privilégio de decidir entre os dois, sendo que nenhum deles quis assumir muitos compromissos. Caberá ao perdedor, por seu turno, dar a aula sobre democracia e, se não souber como fazer, é porque não merecia ganhar. Não esquecer que a qualidade da democracia se mede também, talvez com mais acurácia, pelo que faz o perdedor.

Como a democracia é o regime no qual a minoria tem voz, o perdedor é parte importante do enredo que prossegue no dia seguinte: é importante que a minoria continue ativa e vocal. Ademais, convém lembrar que quem ganhar não o fará sozinho e terá de conversar. Inclusive porque foi decisiva a terceira metade do Brasil – os contrariados como eu, que não abraçaram nenhum dos dois.

A crítica democrática é muito importante, os concorrentes sabem bem, eles foram, sobretudo os do PT, críticos ferozes de qualquer coisa que não fosse deles. Do outro lado, será importante demonstrar que a direita sabe trabalhar dentro das quatro linhas do jogo democrático-parlamentar, e não apenas na lacração ou na malcriação.

Não se sabe o que poderá acontecer com a economia, há muitos cenários possíveis. É claro, todavia, que o primeiro passo para qualquer coisa funcionar é que o jogo termine hoje à noite com o anúncio do resultado.

Recortado do Estadão de 30/10/2022

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