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Mostrando postagens de outubro, 2022

Um Som de Trovão, Ray Bradbury

SAFARIS NO TEMPO, INC. SAFARIS PARA QUALQUER ANO DO PASSADO VOCÊ DIZ QUE ANIMAL. NÓS O LEVAMOS LÁ. VOCÊ O ABATE. Uma flegma quente acumulou-se na garganta de Eckels; engoliu e empurrou-a para baixo. Os músculos ao redor de sua boca forma­ram um sorriso enquanto ele estendeu sua mão lentamente pelo ar, e naquela mão, balançava-se um cheque de dez mil dólares, para o ho­mem atrás da escrivaninha. — Este safári garante que eu volte vivo? — Não garantimos nada — falou o funcionário — exceto os dinos­sauros. — Voltou-se. — Este é o Sr. Travis, seu Guia, no safári ao pas­sado. Ele vai dizer-lhe o que e aonde atirar. Se ele disser para não ati­rar, não se atira. Se desobedecer às instruções, há uma pesada multa de mais de dez mil dólares, mais um possível processo do governo, quando voltar. Eckels olhou, através do amplo escritório, numa completa con­fusão disforme, de fios entrelaçados e caixas de aço zumbindo, para uma aurora que agora reluzia laranja, então prateada, e então, azul. Havia u

A Terceira Metade, Gustavo H.B. Franco

O mundo não vai acabar amanhã, conforme pensam as duas metades do Brasil mobilizadas pela disputa em caso de derrota. Como uma delas necessariamente vai perder, o mau humor de muita gente será compreensível. A taxa de grosseria, que já estava alta, vai crescer mais ainda. Respire fundo e, por favor, seja moderado(a) ao festejar e, sobretudo, ao engolir o choro. O perdedor deve perder em paz, pois o esporte não ganha nada com a catimba, e sobretudo porque a vida segue na segunda-feira: o botequim vai ter de abrir, assim como o Parlamento. Todo mundo vai sair para trabalhar já pensando no futuro, e a fila vai andar. Aliás, esse é o ponto essencial: o processo termina hoje, o vencedor levanta a taça, não é preciso aplaudir, nem apoiar. Tem sempre uma reclamação, um pedido de recontagem, e a torcida perdedora habitualmente desanca o juiz. É feio, mas não é golpe. Só é obrigatório tolerar. Na verdade, a derrota vai ser um grande exercício de tolerância para a metade do Brasil com a cabeça

Poerídica: Eleição Amorosa, Rafael Clodomiro

Sou candidato para investidura e provimento no seu coração por meio de um belo sentimento. Ou você me elege com sensatez, ou me deixa de fora de vez. Seu voto é obrigatório Seu afeto é facultativo. Quero saber a sua intenção sem te forçar a ficar comigo. A virtude compõe minha instância superior, pra receber seu voto não preciso ser ilegal. As pesquisas podem não estar ao meu favor entretanto, não ofendo a Justiça eleitoral. Na sua democracia representativa, você é responsável por suas escolhas. Eu sou apenas uma opção intuitiva que pode representar coisas boas. Mas, não sou objeto de propaganda, não tenho slogan, nem faço promessa. Por minha transparência se demanda a essência que de mim se arremessa… Seu futuro é proporcional às suas ações e a vida te oferece dois diferentes cenários, o primeiro e o segundo turno são opções pra confirmar se eu sou, para você, majoritário. Seu título eleitoral te atribui competência,e caso não tomar uma decisão outros tomarão por sua omissão e não há

A Solidão Amiga, Rubem Alves

  A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão... Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía

Começa Assim...

     Tomei umas tirimba com niamba branca - Coré gritou. E gargalhou unisex. Zambiano, acostumado, lambeu o beiçoléu. Olhou pro riso do giango, esguichou cuspo no massapé, e tornou a chorar por dentro.  Era a disgrameira  do amô por quenga que zunia na caixa do peito: Zulina formosura. Coré foi um que se acabou no tampo negro do campo santo dela. Zam sabia que estava quase no inferno dele. Chupou tabaco pisado pros rumos do ronco da traqueia, tossiu e resmungou: - Caí sem dó. Coré morreu  muito. Eu... morri pela primeira vez.      Zulina passava ao largo, no tumbeiro do cais, mexendo popa africana pra marujo novo. O olho brilhava de mar puro e liso, com pedra pontuda por trás da maré. Rodamunho ca curva do olho, e navio  muito navio no fundo. coré foi só um da esquadra. Já restava com limo e coral. Zâmbi ainda era começo de ferrugem e craca. Criada no marejo, a fêmea cresceu com pés na areia e as vergonhas no sal. Dentes de coco branco e maresia na carne. Cabelos de alga e xaxim. Coxas

Crianças Não Gostam de Livros? Será? - Zoara Failla, para o Estadão

 Crianças não gostam de ganhar livros? Será? Não foi isso que revelou a 5ª edição da pesquisa  Retratos da Leitura  no Brasil. Nessa pesquisa, realizada pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural,  88% das crianças disseram que gostam de ler livros (muito: 46% ou um pouco: 42%) . Vemos tantas crianças em seus tablets e celulares acessando games e vídeos, que deduzimos que as crianças não gostam de ler. Mas a garotada entre 5 e 10 anos nos surpreendeu com suas respostas. Apesar de, aqueles que acessam a internet, preferirem vídeos e filmes (75%), 44% das crianças (de 5 a 10 anos) informam que gostam de ler livros e 43% leem livros de literatura pelo menos uma vez por semana. Um pouco menos do que gibis (54%). Outra boa transgressão às nossas crenças foi descobrir que, em cada dez crianças, cinco preferem os livros em papel, três dizem que tanto faz (papel ou digital) e menos de duas preferem o livro digital. Essas revelações mostram que, em razão das nossas crenças ou repr

O Que Mais Dói, Patativa do Assaré

  O que mais dói não é sofrer saudade Do amor querido que se encontra ausente Nem a lembrança que o coração sente Dos belos sonhos da primeira idade. Não é também a dura crueldade Do falso amigo, quando engana a gente, Nem os martírios de uma dor latente, Quando a moléstia o nosso corpo invade. O que mais dói e o peito nos oprime, E nos revolta mais que o próprio crime, Não é perder da posição um grau. É ver os votos de um país inteiro, Desde o praciano ao camponês roceiro, Pra eleger um presidente mau. Sobre o dia do Nordestino: Quem criou: Governo de São Paulo Quando? 2009 - ano do centenário de Patativa do Assaré, considerado o maior poeta popular da região. Fonte: Cultura Genial

Deva, Marcelo Valença

De vez em quando Ou contumaz Me apraz Um imperativo devaneio De ver o quanto E tanto mais Satisfaz Um insaciável devaneio Nem vil nem santo Ou audaz Tanto faz Indissolúvel devaneio De vez em quando Me faz Voraz Um indefectível devaneio

Nobel de Literatura 2022: Annie Ernaux (França )

          Annie Ernaux nasceu em Lillebonne, na França. Estudou na universidade de Rouen e foi professora do Centre National d’Enseignement par Correspondance por mais de 30 anos. Ela escreveu cerca de 20 livros. Entre seus temas, abordados sempre a partir de sua experiência pessoal, estão a dominação das classes sociais, violência e aborto. Ao contar sua história, ela explora e expõe a vida na França a partir dos anos 1940. Em 2017, Ernaux recebeu o prêmio Marguerite Yourcenar pelo conjunto de sua obra.      Entre seus livros, publicados no Brasil pela Fósforo, estão O Lugar, Os Anos e O Acontecimento, que são sucesso de crítica e de público. A Vergonha acaba de ser publicado. E na Flip ela lança O Jovem - no romance, ela narra seu envolvimento com um homem 30 anos mais novo do que ela.      Annie Ernaux é a décima sétima mulher a ganhar o Nobel de Literatura desde seu começo em 1901. A primeira ganhadora foi Selma Lagerlof, da Suécia em 1909 e a última foi Luoise Guck dos Estados Un

Dejeto, Marcelo Valença

Sempre que falas  Tuas poucas palavras Não têm amor És de um inverso Ao sério Amargo e vão Só te contentas Com o escárnio Vil e cruel Sustento novamente um triste ser Cansado e entorpecido sem saber De todas as revoluções que o mundo dá Quando é que a tua vai passar Sempre que gritas Tuas ordens pálidas Não tens amor És um repúdio Um tédio Um mal-humor Só te orientas Por mentiras E por papel Sentindo um antigamente florescer No peito de quem julga sem saber Tanta revolução no mundo há Quando é que a tua vai passar? Sempre que calas - Não tens amor Te mostro o espelho Te leio Não tens amor Te jogo na cara Teu erro Não tens amor Sustento ativamente um livre ser Perfeita discordância de você Tantas revoluções o mundo dá Decerto a tua vai passar

Se Pudesses, Deverias Frequentar Um Outro Mundo, Francisco Bosco

 Prólogo      Butch Cassidy e Sundence Kid estão em fuga pela mata. A polícia os persegue, com rastreadores, implacavelmente. Os dois fugitivos chegam a um precipício, de onde não podem voltar. Embaixo, muito embaixo, passa um rio. Os poiciais estão a caminho: eles vão chegar. É preciso o salto. Sundence diz: " eu não sei nadar". O abismo, enorme, o medo, a vertigem - só de olhar: Mas é preciso. A  polícia. Não tem volta. "Feche os olhos". Pulam. Lutar     É essa a cena, no amor, que antecede a ruptura e o luto. O pulo é o prólogo do luto. e se é preciso pular é porque não tem volta. A polícia está a caminho. Pode ser que ela nunca chegue, mas ela estará sempre a caminho ( é isso a angústia). pode-se não pular, alguns de fato não pulam nunca, e é possível que a polícia nunca chegue, mas estará sempre chegando. E todos somos como Sundence: não sabemos nadar. O precipício, a concentração das forças, o pulo. Só que ao invés do rio, cai-se em outras paisagens: o desert