Nesta época, dizem os velhos, a preguiça tomava conta de todo mundo, mesmo de um grande herói do povo Karajá. Este herói, de nome Cananxiuê, morava na casa do pai de sua esposa, como é o costume desse povo. Por isso, sempre ouvia o velho lhe dizer:
- Oh, meu genro! Você precisa arranjar luz para todos nós. Você é um herói e como herói tem que resolver esse problema que fará muito bem para os Karajá.
- Tá bem meu sobro, um dia eu vou!
Mas o herói não queria saber de levantar da sua rede. Como todos os homens do lugar, preferia ficar ali a enfrentar a noite escura e fria da mata. Nem lenha ele queria buscar, deixando a tarefa para sua esposa.
Um dia, o velho sogro, já enfezado com Cananxiué, foi ele mesmo buscar lenha na mata. Como já estava com idade avançada e não podendo mais enxergar direito, acabou caindo e se machucando todo. Lá do mato, socorrido por outras pessoas, o homem velho berrou com o genro:
- Ô Cananxiuê, já não aguento mais essa vida. Você tem de dar um jeito nisso! Ao menos venha buscar lenha para manter o fogo aceso.
Não adiantou nada. O herói preguiçoso continuou deitado cheio de indisposição para sair e resolver o problema.
Foi, então, que os animais se uniram ao sogro e passaram a dizer ao jovem herói:
- Cananxiuê parece mulher. Fica o dia todo deitado na rede sem fazer nada. Vai buscar luz para nós, homem. Cumpra sua obrigação de herói.
Sua mulher entrou no coro dos descontentes e começou a cobrar-lhe também:
- Cananxiuê, você é meu marido. Você tem de cuidar de mim. Vá cumprir a promessa que fez a meu pai de trazer luz e calor para os Karajá.
Irritado com tanta gente pegando no seu pé, Cananxiuê decidiu sair pelo mundo à procura da luz do sol. Como estava irritado, decidiu que iria sozinho w nada levaria consigo.
Vendo que o herói nada levava, todo mundo na aldeia ficou desconfiado. Todos achavam que, andando desse jeito, sem levar arma alguma, aquele moço não conseguiria trazer o sol consigo.
Até os animais da floresta começaram a dizer a Cananxiuê: - Como um homem sozinho pode vencer Theuú e trazê-lo para nós? O sol é grande e forte e mãos vazias não irão aguentá-lo.
-Randô é esperta e cheia de fases. Como poderá vencê-la?
- Tahiná é valente e ligeira. Ela pisca e se esconde. Como irá encontrá-la?
- Sem arco e flecha, sem lança ou btacape, sem corda ou laçi ele não vencerá nem um punhado de moscas. Como poderá vencer o sol, a lua e as estrelas?
Cananxiuê nada respondia. Continuava quieto, apenas fazendo planos em seu pensamento:
"Se não posso flechar o sol, laçar a lua, amarrar as estrela, para que usar armas? A minha arma tem que ser a esperteza".
E assim continuou sua jornada por um longo tempo, perguntando para todos que encontrava qual seria o paradeiro do sol, da lua e das estrelas. Ninguém sabia direito e davam informações muito diferentes. Até que um dia encontrou alguém que sabia onde eles viviam.
- O sol, a lua e as estrelas estão lá em cima. Eles são muito bem guardados pelo ranranresá, o urubu- rei.
- Então, se é o urubu-rei que é dono do sol, da lua e das estrelas, é ele que tenho de vencer!
E assim foi, dizem os velhos Karajá.
Cananxiuê bolou um plano para vencer rararesá. Ao chegar a um lugar bonito, onde havia uma praia de rio, lugar largo e que permitia um fuga, resolveu que ali seria o espaço ideal para travar sua batalha com o urubu-rei.
Ele deitou-se no chão e avisou a todos os animais que o seguiam:
- Morri!
Para testar se ele estava morto, as moscas vieram e andaram por cima do corpo estendido no chão. Fizeram barulho perto do ouvido do herói morto e não conseguiram que ele movesse um único músculo. Disseram então:
- Ele está morto. Ele morreu mesmo.
Em seguida veio um grupo de urubus e voaram em círculo sobre o cadáver. Desconfiados, não quiseram arriscar descer onde ele estava. Tempos depois, alguns vieram e bicaram a barriga de Cananxiuê, mas ele não se mexeu. Então disseram entre si:
- Está morto mesmo. Podemos avisar o rei.
Ranranresá sobrevoou o herói. Estava desconfiado, mas, acreditando nas palavras de seus conselheiros, pousou bem no peito do cadáver que, rapido como um raio, agarrou as pernas do rurubu-re e tornou-o prisioneiro.
Ao notar que o herói havia conseguido aprisionar o dono do sol, os animais começaram a caçoar do pássaro:
- Este urubu não é de nada. Deixou-se aprisionar de forma tão infantil.
Não pode ser rei alguém que se deixa prender por um Karajá!
Como pode ser dono do sol, da lua e das estrelas, alguém tão fácil de agarrar.
Os animais sabiam que agindo daquela forma iriam provocar a ira do urubu-rei e que acabariam conseguindo dele o que queriam.
Passado algum tempo, e já não mais aguentando tamanha gozação, ranranresá chamou Cananxiuê e lhe propôs satisfazer qualquer vontade do moço por sua liberdade.
- Liberte-me e eu lhe darei o que pedir.
- Dará-me qualquer coisa?
- Tudo o que você quiser, desde que me liberte.
-Você me dá sua palavra de urubu-rei?
- Dou minha palavra.
O herói libertou o urubu-re que imediatamente tomou o rumo do céu. aliviado por estar livre das correntes, a ave voltou ao jovem:
- O que você quer em troca de minha liberdade?
- Quero a luz das estrelas!
- Urubu sumiu. Voltou em seguida trazendo apenas a luz das estrelas consigo. Isto, no entanto, não agradou a todos. Diziam que era uma luz muito fraca e de nada servia.
- Quero que nos traga a luz da lua!
O urubu-rei partiu e regressou trazendo apenas a luz da lua. Era uma luz fria, sem vida e todos reclamaram novamente.
- Quero Theuú, o sol. Somente ele tem a luz e o calor de que os Karajá precisam.
Urubu-rei voltou com o sol. O sol chegou forte, brilhante e quase queimou tudo onde passava. Mas como urubu-rei estava muito chateado com os Karajá, pediu ao sol que andasse rápido, tão rápido que nem desse tempo das pessoas aproveitarem dele. E assim aconteceu. E mais uma vez todos se chatearam indo reclamar com Cananxiuê.
O herói falou ao raranresá para que pedisse ao solque andasse mais lentamente para que os Karajá pidessem aproveitá-lo melhor. Acontece que a ave já estava tão chateada que disse que iria embora e que o próprio herói falasse com o sol.
Mas como isso era possível, se o sol sempre passava em grande velocidade?
A aldeia foi para cima do herói reclamando da velocidade do sol. Para que serviria um sol que caminha tão rápido?
Cananxiuê foi, então, para o topo de uma grande palmeira. Ficou ali aguardando. Quando o sol foi se aproximando da árvore, o herói saltou sobre ele e agarrou sua cabeleira. Como estivesse muito quente, escorregou e foi parar no seu pescoço; como ainda estivesse muito quente, escorregou e foi parar em sua barriga; ali também estava quente e acabou escorregando para a cintura; também ali o calor era insuportável, até se agarrou na barriga da batata da perna do sol. Ali ficou firme e não largou.
A firmeza com que segurou o sol era tanta, que isso obrigou Theuú a diminuir a velocidade de sua passagem sobre a terra permitindo que os Karajá realizem todos os seus afazeres: caçar, pescar, coletar frutos, trançar suas redes, comer...Sem necessidade de corrercom medo de o dia acabar logo.
E quando o sol vai embora e a humanidade fica entregue à noite, os Karajá têm a alegria de contar com a luz de Randô, que os alimenta com seu brilho. E mesmo nas noites mais escuras, todos podem contar com as piscadelas de Tahiná para lembrá-los que o dia nascerá de novo, graças ao herói Cananaxiuê que continua agarrado na batata da perna do sol.
Este é um mito do povo Karajá, que habita o estado do Tocantins e pertence à família linguística do grande tronco Macro-jê e incorpora outros grupos indígens como os Javaé e os Xambioá.
De: Um Fio de Prosa, div. autores, Ed. Global, São Paulo 2004 (Antologia de Contos e Crônicas para jovens) Págs.83-91
Imagem: Rogério Borges
o livro é muito bom kkkkkkk ( contem ironia :(
ResponderExcluirquero as resposta do texto hhahahhahah agr !
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