Pular para o conteúdo principal

O Que Estou Lendo?

      Os Meninos da Rua Paulo.  comprei num sebo, uma edição de 1969. O exemplar veio, conforme informado, bastante danificado. 

     Fiz algumas recuperações e comecei.  Como disse em postagem mais antiga, gosto de comprar livro em sebo porque o exemplar vem com alguma história.  Nunca vou saber começo meio ou fim dessa história paralela. 
      Quem leu,  por que se desfez,  se gostou,  se ganhou de presente,  quantos anos tinha a criança que rabiscou com caneta vermelha...nada é esclarecido, mas acho delicioso estar lendo um livro enquanto carrego nas mãos um mistério que vai continuar assim, mesmo quando eu chegar à última página.



FALTAVAM quinze minutos para uma hora. Na sala de ciências naturais, por cima da comprida mesa do professor, apareceu finalmente, após longas e infrutíferas tentativas, como para recompensar a expectativa intensa, uma cintilante risca verde esmeralda no meio da chama incolor do bico de Bunsen, documentando-se, assim, que a composição química destinada, segundo afirmava o professor, a colorir de verde a chama do bico, cumpria o seu dever. Pois foi à uma hora menos quinze, exatamente naquele momento de triunfo, que no quintal da casa vizinha ressoou uma pianola, e isso acabou de vez com toda a seriedade da aula. Era um dia quente de março, as janelas estavam escancaradas e, nas asas da fresca brisa primaveril, a música penetrou na aula. A pianola tocava uma alegre canção húngara, transformando-a numa espécie de marchinha, emprestando-lhe um caráter tão estrondoso, tão vienense, que deu a toda a turma uma vontade de sorrir que muitos não souberam conter. A chama verde que oscilava alegre no bico de Bunsen, agora só atraía os olhares de alguns meninos dos primeiros bancos. Os outros olhavam pelas janelas para o mundo lá de fora, onde se viam os telhados dos casebres vizinhos, e, ao longe, rebrilhando à luz dourada do meio-dia, a torre da igreja, em cujo mostrador o ponteiro grande, reconfortador, se aproximava do XII. Voltada para a janela, a atenção dos meninos catava, além da música, outros sons que nada tinham que ver com a aula. Condutores do bondinho de burro trombeteavam, e num dos quintais uma criada cantarolava uma melodia totalmente diversa da tocada pela pianola.

Os Meninos da Rua Paulo, Farenc Molnár
Ed. de Ouro 1969, Pág.19


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.