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Mostrando postagens de setembro, 2021

Sê Rocha, Marcelo Valença

  E permita o moldar das águas Sê onda E permita o desvio dos caminhos Sê ambos, sê mais: O arrulho do mar O vento da praia O canto das aves O nado dos peixes O coração da terra Mas sê inteiro Leia  mais de Marcelo Valença: Lugar algum Encanto Futuro Longe   Prezado Sargento

Por que o Sol Anda Devagar? Daniel Munduruku

     Contam os velhos sábios Karajá, que no início dos tempos a terra era um lugar muito escuro, muito frio. Isso acontecia porque não havia sol, lua ou estrelas para trazer claridade. Por causa disso, os Karajá precisavam manter um pequeno braseiro aceso dentro de casa. Mas isso era muito trabalhoso, pois exigia que os homens saíssem para a mata atrás de lenha. Como tudo era escuro e frio, ninguém queria ir até lá. Aliado à preguiça que sentiam, havia também o fato de sentirem muito medo de permanecerem fora de sua hetó, pois os perigos eram muitos e grandes.      Nesta época, dizem os velhos, a preguiça tomava conta de todo mundo, mesmo de um grande herói do povo Karajá.  Este herói, de nome Cananxiuê, morava na casa do pai de sua esposa, como é o costume desse povo. Por isso, sempre ouvia o velho lhe dizer:      - Oh, meu genro! Você precisa arranjar luz para todos nós. Você é um herói e como herói tem que resolver esse problema que fará muito bem para os Karajá.      - Tá bem meu s

8 de Setembro, Pablo Neruda

Hoje, este dia foi uma taça cheia, hoje, este dia foi a onda imensa, hoje, foi a terra inteira. Hoje, o mar tempestuoso ergueu-nos num beijo tão alto que estremecemos ao clarão de um relâmpago e, unidos, descemos para mergulharmos enlaçados. Hoje os nossos corpos dilataram-se, cresceram até ao extremo do mundo e rolaram fundidos numa só gota de cera ou meteoro. Entre mim e ti abriu-se uma nova porta e alguém, sem rosto ainda, esperava-nos ali . Pablo Neruda, in "Os Versos do Capitão"

Os Obedientes, Clarice Lispector

  Trata-se de uma situação simples, um fato a contar e esquecer.      Mas se alguém comete a imprudência de parar um instante a mais do que deveria, um pé afunda dentro e fica-se comprometido. Desde esse instante em que também nós nos arriscamos, já não se trata mais de um fato a contar, começam a faltar as palavras que não o trairiam. A essa altura, afundados demais, o fato deixou de ser um fato para se tornar apenas a sua difusa repercussão. Que, se for retardada demais, vem um dia explodir como nesta tarde de domingo, quando há semanas não chove e quando, como hoje, a beleza ressecada persiste embora em beleza. Diante da qual assumo uma gravidade como diante de um túmulo. A essa altura, por onde anda o fato inicial? ele se tornou esta tarde. Sem saber como lidar com ela, hesito em ser agressiva ou recolher-me um pouco ferida. O fato inicial está suspenso na poeira ensolarada deste domingo — até que me chamam ao telefone e num salto vou lamber grata a mão de quem me ama e me liberta.

Cruz Alta Homenageia Érico Veríssimo

 O Tempo e o Vento na Santa Fé de Érico Veríssimo é um projeto que homenageia o filho ilustre da cidade de Cruz Alta - RS e um dos maiores escritores do país.  Em outubro  de 2020  a primeira estátua de um conjunto  de cinco personagens da literatura de Érico Veríssimo,  O Capitão Rodrigo pode ser visto na frente da rodoviária da cidade: Os outros personagens são: Pedro Missionário vai ficar no trevo de saída para a cidade de Ijuí.  Padre Lara ocupará o espaço ao lado da cruz em Benjamim Nott, Ana Terra ao lado do Museu Érico Veríssimo e Bibiana na esquina da Praça Érico Veríssimo. As esculturas são do arquiteto e artista plástico gaúcho Sérgio Coirolo O Tempo e o Vento  é uma trilogia de  romance histórico.   Dividida em  O Continente ,  O Retrato    e  O Arquipélago    o romance  conta uma parte da história do Brasil vista a partir do sul  - da ocupação do continente de São Pedro  de1745  até 1945  (fim do Estado Novo ), através da saga das famílias Terra e Cambará. É considerada

O Inferno de Borges, José Eduardo Agualusa

Para a Alexandra Lucas Coelho      Jorge Luís Borges soube que tinha morrido quando, tendo fechado os olhos para melhor escutar o longínquo rumor da noite crescendo sobre Genebra, começou a ver. Distinguiu primeiro uma luz vermelha, muito intensa, e compreendeu que era o fulgor do sol filtrado pelas suas pálpebras. Abriu os olhos, inclinou o rosto, e viu uma fileira de densas sombras verdes. Estava estendido de costas numa plantação de bananeiras.  Aquilo deixou-o de mau humor. Bananeiras?! Ele sempre imaginara o paraíso como uma enorme biblioteca: uma sucessão interminável de corredores, escadas e outros corredores, ainda mais escadas e novos corredores, e todos eles com livros empilhados até o teto.      Levantou-se. Endireitou-se com dificuldade, sentindo-se desconfortável dentro do próprio corpo subitamente rejuvenescido (quando morremos reencarnamos jovens e Borges não se recordava de como isso era). Caminhou devagar entre as bananeiras. Parecia-lhe pouco provável encontrar ali al

O Que Estou Lendo?

      Os Meninos da Rua Paulo.  comprei num sebo, uma edição de 1969. O exemplar veio, conforme informado, bastante danificado.       Fiz algumas recuperações e comecei.  Como disse em postagem mais antiga, gosto de comprar livro em sebo porque o exemplar vem com alguma história.  Nunca vou saber começo meio ou fim dessa história paralela.        Quem leu,  por que se desfez,  se gostou,  se ganhou de presente,  quantos anos tinha a criança que rabiscou com caneta vermelha...nada é esclarecido, mas acho delicioso estar lendo um livro enquanto carrego nas mãos um mistério que vai continuar assim, mesmo quando eu chegar à última página. FALTAVAM quinze minutos para uma hora. Na sala de ciências naturais, por cima da comprida mesa do professor, apareceu finalmente, após longas e infrutíferas tentativas, como para recompensar a expectativa intensa, uma cintilante risca verde esmeralda no meio da chama incolor do bico de Bunsen, documentando-se, assim, que a composição química destinada, se

Mulher Pelada, Antonio Prata

    Toda sexta-feira, lá pelas seis e meia da tarde, meu pai aparecia para nos buscar. Assim que dobrava a esquina, dava duas buzinadas curtas: era o sinal para que pegássemos nossas mochilas e corrêssemos para a rua.      Geralmente íamos a algum restaurante ou bar, onde ele encontrava os amigos e a namorada e nos esbaldávamos misturando Coca-Cola com Sukita, comendo frango à passarinho com batata-frita e mandando pra cucuia, em meia hora, toda a harmonia nutricional que minha mãe havia conquistado, duras penas, ao longo da semana.      Nas épocas em que meu pai tinha alguma peça em cartaz, costumávamos passar pelo teatro antes e depois do bar, para que ele checasse a bilheteria, conversasse com os atores, visse o público entrando, ou, caso o espetáculo já tivesse começado, aferisse o êxito da noite pelo número de pipoqueiros na calçada.     Quando eu tinha uns cinco anos, estreou Besame mucho no Cultura Artística. foi o maior sucesso do meu pai - coisa para três, quatro pipoqueiros

Aviso Aos Náufragos, Paulo Leminski

Esta página, por exemplo, não nasceu para ser lida. Nasceu para ser pálida, um mero plágio da Ilíada, alguma coisa que cala, folha que volta pro galho, muito depois de caída. Nasceu para ser praia, quem sabe Andrômeda, Antártida Himalaia, sílaba sentida, nasceu para ser última a que não nasceu ainda. Palavras trazidas de longe pelas águas do Nilo, um dia, esta pagina, papiro, vai ter que ser traduzida, para o símbolo, para o sânscrito, para todos os dialetos da Índia, vai ter que dizer bom-dia ao que só se diz ao pé do ouvido, vai ter que ser a brusca pedra onde alguém deixou cair o vidro. Não e assim que é a vida? Fonte: Seguinte Imagem de: Zel Humor. 0 comentário

Poemas da M.P.B: Saudade, Alceu Valença

Saudade da estrada Saudade da rua Saudade do Sol Saudade da Lua Ê saudade Saudade de amigos Como eu confinados Que mesmo distantes Se encontram ao meu lado Ô saudade São vídeos, lembranças Mensagens, recados Retratos de um álbum Já tão desbotado Ê saudade Meu bem me acalma Respiro o agora Esqueço o passado Os meses e as horas Xô saudade Projeto um planeta Mais civilizado Saúde, empatia Sem pobres coitados Mendigos de rua E desabrigados Saudade da estrada Saudade da rua Saudade do Sol Saudade da Lua Ô saudade Saudade de amigos Como eu confinados Que mesmo distantes Se encontram ao meu lado Xô saudade São vídeos, lembranças Mensagens, recados Retratos de um álbum Já tão desbotado Ê saudade Meu bem me acalma Respiro o agora Esqueço o passado Os meses e as horas Ô saudade Projeto um planeta Mais civilizado Saúde, empatia Sem pobres coitados Mendigos de rua E desabrigados Mendigos de rua E desabrigados Ouça a música aqui Imagem: rico_alencastro

O Julgamento da Ovelha, fábula de Monteiro Lobato

Um cachorro de maus bofes acusou uma pobre ovelhinha de lhe haver furtado um osso. - Para que furtaria eu esse osso - alegou ela - se sou herbívora e um osso para mim vale tanto quanto um pedaço de pau? - Não quero saber de nada. Você furtou o osso e vou já levá-la aos tribunais. E assim fez. Queixou-se ao gavião-de-penacho e pediu-lhe justiça. O gavião reuniu o tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubus de papo vazio. Comparece  a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal, com razões muito irãs das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu. Mas o júri, composto de carnívoros gulosos, não quis saber de nada e deu a sentença: - Ou entrega o osso já e já, ou condenamos você à morte! A ré tremeu: não havia escapatória!... Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha vida e ia entregá-la em pagamento do que não furtara. Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, espostejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juízes famintos,

Em Torno da Minha Baía, Alda Espírito Santo

Em torno da minha baía Aqui, na areia, Sentada à beira do cais da minha baía do cais simbólico, dos fardos, das malas e da chuva caindo em torrentes sobre o cais desmantelado, caindo em ruínas eu queria ver à volta de mim, nesta hora morna do entardecer no mormaço tropical desta terra de África à beira do cais a desfazer-se em ruínas, abrigados por um toldo movediço uma legião de cabecinhas pequenas, à roda de mim, num vôo magistral em torno do mundo desenhando na areia a senda de todos os destinos pintando na grande tela da vida uma história bela para os homens de todas as terras ciciando em coro, canções melodiosas numa toada universal num cortejo gigante de humana poesia na mais bela de todas as lições: HUMANIDADE     . - Alda do Espírito Santo, em "É nosso o solo sagrado da terra". Lisboa: Ulmeiro, 1978. Alda Espírito Santo  (1926-2010)  Escritora, poetisa, jornalista e professora nascida no arquipélago de São Tomé e Príncipe na década de 20, Alda é conhecida como uma das