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Mostrando postagens de agosto, 2021

Clube Errante: Carta à Rainha Louca

Dia 2 de Outubro (sábado) às 20 horas o Clube Errante vai conversar sobre Carta à Rainha Louca , Maria Valéria Rezende. Senhora, Perdoai, Vossa Majestade Fidelíssima, a esta mulher — enlouquecida pelas penas do amor ingrato e de grandes vilanias cometidas por aqueles que se creem mais poderosos do que Vós mesma — por vir-Vos interromper, com o relato de seus sofrimentos de mínimo relevo, em Vossas orações e em Vossos atos régios tão urgentes para Vosso Reino e para aquele de Deus. Por louca e desobediente encarceraram-me neste Recolhimento da Conceição, no alto das colinas desta cidade de Olinda, famosa por sua beleza e pelo fausto ostentado em outras eras, quando branco e doce era o ouro destas terras. Bela cidade que a mim, porém, não delicia, pois quase só a vejo retalhada pelas grades da única e estreita janela desta cela de não mais que uma braça quadrada. Há já longo tempo me trouxeram para cá, com o fim de aguardar alguma nau de carreira que me levasse a Lisboa, para ser julgada

Poemas da M.P.B: Sensual, Belchior

Quando eu cantar Quero ficar molhado de suor E por favor não vá pensar Que é só a luz do refletor Será minha alma que sua Sob u m sol negro de dor Outro corpo, a pele nua, Carne, músculo e suor Como um cão que uiva pra lua Contra seu dono e feitor Uma fera-animal ferido No dia do caçador Humaníssimo gemido Raro e comum como o amor Quando eu cantar Quero lhe deixar Molhada em bom humor E por favor não vá pensar Que é só a noite ou o calor Quero ver você ser Inteiramente tocada Pelo licor da saliva A língua, o beijo, a palavra Minha voz quer ser um dedo Na tua chaga sagrada Uma frase feita de espinho Espora em teus membros cansados Sensual como o espírito Ou como o verbo encarnado Ouça aqui Imagem: Érico San Juan. Caricatura de 2016

O Pastor e o Leão, fábula de Monteiro Lobato

Um pastorzinho, notando certa manhã a falta de várias ovelhas, enfureceu-se, tomou da espingarda e saiu para a floresta. - Raios me partam se eu não trouxer, vivo ou morto, o miserável ladrão das minhas ovelhas! Hei de campear dia e noite, hei de encontrá-lo, hei de arrancar-lhe o fígado... E assim, furioso, a resmungar as maiores pragas, consumiu longas horas em inúteis investigações. Cansado já, lembrou-se de pedir socorro aos céus. - Valei-me, Santo Antônio! Prometo-vos vinte reses se me fizerdes dar de cara com o infame salteador. Por estranha coincidência, assim que o pastorzinho disse aquilo apareceu diante dele um enorme leão, de dentes arreganhados. O pastorzinho tremeu dos pés à cabeça; a espingarda caiu-lhe das mãos; e tudo quanto pôde fazer foi invocar de novo o santo. - Valei-me, Santo Antônio! Prometi vinte reses se me fizésseis aparecer o ladrão; prometo agora o rebanho inteiro para que o façais desaparecer. Moral da história: No momento do perigo é que

Livros Mais Vendidos Sobre o Afeganistão

  O Caçador de Pipas , Khaled Hosseini. O romance narra a  história  da amizade entre Amir e Hassan, dois meninos que vivem no Afeganistão na década de 1970. Durante um campeonato de pipas, Amir perde a chance de defender Hassan, num episódio que marca a vida dos dois  amigos  para sempre. Vinte anos mais tarde, quando Amir está estabelecido nos Estados Unidos, após ter abandonado um Afeganistão tomado pelos  soviéticos , ele retorna ao seu país de origem e é obrigado a acertar as contas com o passado. A Cidade do Sol .  Khaled Hosseini, Mariam e Laila são duas mulheres com idades, trajetórias e origens opostas que acabam unidas pelas tragédias da  guerra  e as restrições impostas pelo Talibã. Seus destinos se cruzam de forma inexorável, e elas se provarão como suas únicas fontes de alegria, amizade e esperança. Ambas representam uma legião de  mulheres  afegãs que lutam todos os dias pela garantia de seus  direitos  mais básicos e por pequenos momentos de felicidade. Campeão nas lista

Modo de Amar, Valter Hugo Mãe

 Eu queria era ter um cão, mas a minha mãe diz que os cães fazem muito barulho a ladrar e que, por vezes, mordem. Diz também que se tivermos um cão durante muito tempo ficamos com a cara parecida com o seu focinho. A mim custa-me acreditar, mas é isso que a minha mãe me responde. Nem imagina  o quanto fico infeliz, parecido  a ter vazios por dentro.      Eu pedi:      - E se tivéssemos um gato? Um gato, nem que seja pequeno, para eu brincar.      E a minha mãe respondeu:      - Um gato nunca. Larga pêlo e afia as unhas nos cortinados.       Oh, mãe, um gato quase nem precisa de gente, vive sozinho com o seu nariz. E se fosse um peixe? Um coelho? E se fosse um crocodilo bebé?  - insisti eu.      E ela explicou:      - Os  peixes entristecem num aquário  e os coelhos trincam-te os dedos. Os crocodilos bebés crescem muito para serem crocodilos adultos capazes de te comerem de uma só vez. Nem pensar. Os bichos todos trincam, meu filho. São um perigo.      Durante uma noite, a sonhar muito

Existe Sempre Uma Coisa Ausente, Caio Fernando Abreu

       Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.      Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos á 20 anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava ami

Soneto de Michelangelo, tradução de Jorge Pontual

Com os belos olhos teus vejo a luz clara que com os meus, cegos, já não posso olhar;   com teus pés posso um peso carregar, o que pra mim, manco, é coisa rara. Com tuas asas pra sempre eu voara; com teu engenho ao céu posso chegar; fazes-me empalidecer ou corar, gelado ao sol, na neve, um Saara. O teu querer é só o querer meu, meu sentimento nasce no teu peito, no teu alento a minha voz busquei. Como lua solitária sou eu, que no céu não se pode ver direito a não ser que reflita o astro-rei

Ocasiões de Ficar Calado, Fernando Sabino

– Como vai indo seu marido, que há tanto tempo não vejo? – Meu marido morreu há dois anos, o senhor não sabia? Cumprida a primeira parte da gafe, saio impávido para a segunda: – Que coisa terrível, eu não sabia! Me desculpe, mas andei viajando… E não tendo mais o que dizer, repito para o cavalheiro que a acompanha: – Terrível, não acha? Mas ele não pensa assim: – Não acho não: sou o atual marido dela. A consciência de que a gafe em geral se compõe de duas partes distintas. Ficar sempre na primeira, jamais tentar consertar. Ao contrário da Loteria Federal, não insista, desista! Eis o que eu, empedernido praticante, tenho a aconselhar aos meus companheiros de infortúnio. A gafe é vertiginosa e se faz anteceder de uma espécie de aviso, antecipa-se na sensação de que caminhamos no ar, como num desenho animado: – Como foi bom encontrar você! Eu já estava achando esta festa chatíssima. Vamos embora daqui? – Não posso, sou a dona da casa. Ou esta outra, mais comum ainda: – Com aquela mulher

Estamos Viciados em Ódio? Suzana Valença

Na impossibilidade de encher a paciência das pessoas ao vivo, lotei minhas redes  sociais de posts sobre o livro Comunicação Não-Violenta. Fiquei até surpresa com as reações de interesse pela ideia. Em geral, sempre que eu falo sobre conversar com calma, sou ignorada. Acho que estamos viciados em ódio e se eu venho com um papinho de empatia, as pessoas se seguram para não jogarem pedra em mim (virtualmente). Eu acho o ódio do brasileiro plenamente justificado. Se você não está com raiva, você não está bem do juízo. O que eu repito, entretanto, é que estamos brigando errado. E o jeito certo parece estar no livro que eu não consigo parar de citar. Aliás, se teve uma pessoa que eu aluguei muito com essa conversinha foi minha amiga Ju Holanda. Ela está fazendo doutorado na Inglaterra (chique demais) e me ouviu por horas e horas, me ajudando a direcionar minhas elucubrações. Quando eu era pequena e brigava com o meu irmão, nossa avó tinha o hábito extremamente irritante de simplesmente apa

Baú, Mário Quintana

Como estranhas lembranças de outras vidas, que outros viveram, num estranho mundo, quantas coisas perdidas e esquecidas no teu baú de espantos...Bem no fundo, uma boneca toda estraçalhada! (isto não são brinquedos de menino... alguma coisa deve estar errada) mas teu coração em desatino te traz de súbito uma ideia louca: é ela, sim! Só pode ser aquela, e jamais esquecida Bem-Amada. E em tantas lembrar o nome dela... e em vão ela te fitar ... e a sua boca tenta sorrir-te mas está quebrada! Em: Mário Quintana, seleção de Fausto Cunha Ed. Global, São Paulo 2006