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Clube Errante: Carta à Rainha Louca



Dia 2 de Outubro (sábado) às 20 horas o Clube Errante vai conversar sobre Carta à Rainha Louca, Maria Valéria Rezende.




Senhora, Perdoai, Vossa Majestade Fidelíssima, a esta mulher — enlouquecida pelas penas do amor ingrato e de grandes vilanias cometidas por aqueles que se creem mais poderosos do que Vós mesma — por vir-Vos interromper, com o relato de seus sofrimentos de mínimo relevo, em Vossas orações e em Vossos atos régios tão urgentes para Vosso Reino e para aquele de Deus. Por louca e desobediente encarceraram-me neste Recolhimento da Conceição, no alto das colinas desta cidade de Olinda, famosa por sua beleza e pelo fausto ostentado em outras eras, quando branco e doce era o ouro destas terras. Bela cidade que a mim, porém, não delicia, pois quase só a vejo retalhada pelas grades da única e estreita janela desta cela de não mais que uma braça quadrada. Há já longo tempo me trouxeram para cá, com o fim de aguardar alguma nau de carreira que me levasse a Lisboa, para ser julgada pelas Cortes por um crime que me foi assacado, mas aqui me esqueceram. É para que me recordem que agora Vos escrevo, Senhora, pois que em Vós se juntam duas cousas que de raro se podem reunir: o serdes rainha de cetro e coroa, capaz de ordenar e fazer o bom e o justo, acima de todos e quaisquer súditos, de qualquer sexo, que habitem as Vossas terras, e o serdes mulher, capaz de saber o que sofre outra mulher que clama por justiça. Há mais de dois anos vêm e vão as Vossas frotas e não me levam. Já neste ano da graça de mil e setecentos e oitenta e nove, por aqui passou Saudade, também passou Flor do Mar e Santa Helena e Madalena e Rosa e todas as santas, nobres ou plebeias, que vogam no mar oceano. Vinham de África, pejadas de negros destinados a matar a fome das Vossas minas que os devoravam sem demora.   ( pág.9)



Nosso clube leu:
Frankenstein, Mary Shelley (abril)
Urupês, Monteiro Lobato (maio)
Timbuktu, Paul Auster (junho)
O Presidente Negro, Monteiro Lobato (julho)






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