Fomos ao Halensee outra vez, ver alemães nus. Os brasileiros não acreditam em nudez sem malícia e esse espetáculo para nós é espantoso. Por que ninguém olha para ninguém? Lembro uma vez em que fui convidado para almoçar no Playboy club de Chicago, onde bebidas e comidas eram servidas por moças de maiô cavado e decotes que não escondiam nada. claro que a maior parte dos homens ali tinha vindo exatamente para ser servida por moças semidespidas, mas todos aparentavam a mais completa indiferença à presença delas, a ponto de meu anfitrião, que estava sentado num lugar de acesso incômodo, não ter interrompido nem um instante sua palestra sobre problemas editoriais, enquanto uma bunny lhe servia a salada com um peito praticamente enfiado em sua orelha. Nunca conversei e almocei com um peito enfiado em minha orelha, mas imagino que minha concentração ficaria um pouco perturbada. Magnifico exemplo de autodomínio americano, porque é claro que, de volta a seu escritório, ele deve ter passado o resto da tarde coçando a orelha.
Mas aqui, aqui também será uma questão de autodomínio? Não sei. Olho em torno, tão discretamente quanto possível, para não destoar da atitude geral, e não sinto nem de perto a necessidade de autodomínio que pode acometer qualquer um, inclusive alemães, numa praia do rio, onde ninguém fica realmente nu. Aliás, não sinto necessidade de autodomínio nenhum, de repente até me desinteresso em continuar olhando as duas jovens bonitinhas que fazem ginástica peladas. Não há sexo aqui, só gente nua. Por alguma razão, acho isso inquietante. Nunca pensei em testemunhar (e partilhar) uma tão assombrosa obliteração da libido. Como é que é isso? Sim, há as respostinhas de sempre, diferenças culturais, coisas assim. Mas. não sei por quê , essas respostas não me parecem convincentes, pelo menos agora, enquanto vivo a experiência. Se for problema cultural, por que eu, que não sou alemão, me sinto tão genuinamente indiferente à nudez geral quanto eles parecem sentir-se? Ou se sentem mesmo? Que coisa esquisita é esta? Estão me escondendo algo? Dou uma mirada final naquela pequena multidão pelada e decido que não venho mais ao Halensee em dia de sol, perdi o interesse pela investigação desse assunto perturbador. Quando voltar ao Rio, vou imediatamente à praia.
In: Ribeiro, João Ubaldo,Um Brasileiro Em Berlim - Pequenos choques (quatro anotações de um visitante distraído) Ed.Objetiva, Rio de Janeiro 2011
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