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Mostrando postagens de julho, 2015

História Bonita (13): Daniel Cabrera estuda na rua para ser médico

Um garoto de 9 anos foi flagrado estudando na calçada de uma rua em Cebu, nas Filipinas, e vem comovendo internautas pelo mundo inteiro. O registro foi feito por Joyce Torrefranca, que compartilhou a imagem em seu Facebook. “Para mim, como estudante, ele me atingiu muito, como um grande momento", disse ela. "Eu quase nunca vou à lojas de café para estudar. E então esse garoto, ele não tem nada, mas ele tem dedicação ao estudo”, disse ela em entrevista à imprensa local.  Diante do sucesso do post, emissoras de TV procuraram a criança e descobriram que Daniel Cabrera costuma estudar em frente ao restaurante onde sua mãe e seu irmão são funcionários. Sua família foi desalojada após um incêndio consumir sua casa e não têm onde morar. Em entrevista à “Rappler”, o menino afirmou que sonha em ter duas profissões. “Eu acho que quero ser um policial, mas também quero ser um médico", explicou. Após a comoção gerada pela história representantes do governo e da ass

A Origem do Mundo,Eduardo Galeano

                               A guerra civil da Espanha tinha terminado fazia poucos anos, e a cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um operário anarquista, recém-saído da cadeia, procurava trabalho. Virava céu e terra, em vão. Não havia trabalho para um comuna. Todo mundo fechava a cara, sacudia os ombros ou virava as costas. Não se entendia com ninguém, ninguém o escutava. O vinho era o único amigo que sobrava. Pelas noites, na frente dos pratos vazios, suportava sem dizer nada as queixas de sua esposa beata, mulher de missa diária, enquanto o filho, um menino pequeno, recitava o catecismo para ele ouvir.      Muito tempo depois, Josep Verdura, o filho daquele operário maldito, me contou. Contou em Barcelona, quando cheguei ao exílio. Contou: ele era um menino desesperado que queria salvar o pai da condenação eterna e aquele ateu, aquele teimoso, não entendia. — Mas papai — disse Josep, chorando — se Deus não existe, quem fez o mundo? —

Cheiro de Rio, Almir de Oliveira/Rodolfo Aurelianao

Hoje trago uma música.  Afinal, antes de ter a melodia, toda música é uma poesia. Cheiro de Rio Melodia:Almir de Oliveira e  Letra:Rodolfo Aureliano                                                    dedicada a Geraldo Azevedo Camponeses e reses Aparecem as vezes Em meu coração Arrebatado leão Cheiro de rio, de navio Pavio aceso clareando A alma noturna do rio Fonte de pensamentos De velhos e longos lamentos De novos e loucos alentos Da pátria, Da mata, agreste, e sertão Operários e canários Cantam as vezes em meus ouvidos Canções populares de ninar.

A Função do Leitor I - Eduardo Galeano

Quando Lúcia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lúcia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos. Muito caminhou Lúcia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmas caminhou pelos rochedos sobre o rio Antióquia, e na busca de gente caminhou pelas ruas das cidades violentas. Muito caminhou Lúcia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância. Lúcia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela.

Peraltagens, Manoel de Barros

O canto triste da sariema encompridava  a tarde. E porque a tarde ficasse mais comprida a gente sumia dentro dela. E quando o grito da mãe  nos alcançava a gente já estava do outro lado do rio. O pai nos chamou pelo berrante. Na volta fomos encostando pelas paredes da casa pé ante pé. Com receio de um carão do pai. Logo a tosse do vô acordou o silêncio da casa. Mas não apanhamos nem. E nem levamos carão nem. A mãe só que falou que eu iria viver leso fazendo só essas coisas. O pai completou; ele precisava de ver outras coisas além de ficar ouvindo o canto dos pássaros. E a mãe disse mais: esse menino vai passar A vida enfiando água em espeto! Foi quase . ( Memórias inventadas : as infâncias de Manoel de Barros, Iluminuras de Martha Barros - São Paulo: Ed.Planeta Brasil,2010)

Anjo da Guarda de Papel, Elisa Lucinda

Na minha estante mora um moço velho com cara de rapaz pela alegria que traz; Com cara de menino pela novidade que traz; Com cara de velho avô pela qualidade da paz. Mora lá. Elegante. Solene. Ainda que poderoso pela fartura de folhas Todo grande, gigante, recheado de sentidos Ainda que pareça na forma até grosso é um poço generoso. Parece um vigia, uma babá, um tutor. Parece segurança, certeza, confirmação. Valente matador de dúvidas, veste a beca da humildade e nem se incomoda em ser só precisão. Fica lá. Se doa para a poeira que vem tecer com o sol a teia do tempo sobre sua firme encadernadura. Assiste aos lapsos de memória escora a literatura no ritual da decodificação. Mas nessa muda eloquência, nessa silenciosa falação me protege e me rege. Amigo calado, consistente, combinado. (Tem sempre uma palavra pra dar) Não me falta, não se vende... É meu instrutor, protetor e anjo da guarda. É nele que penso quando vejo um guarda e tenho medo... Eu queria que

O Grande Anjo, Rubem Alves

Isso que eu vou contar já faz muito anos, é só memória...    Eu disse que o Paraíso mora   numa ampola de dolantina... “Cessa a dor!” E ela cessa... Pena que o paraíso seja de tão curta duração. A dor se vai, sim, mas fica de tocaia...    Me tocaiou... Foi voltando devagarzinho, aparecendo num outro lugar: a coluna. Ela chegava e ia torcendo o corpo, obrigando-o a assumir as posiçoess mais estranhas para livrar-se dela. Lembro-me de uma viagem que fiz até o litoral, corpo curvado, o pé apoiado no painel de instrumentos do carro. Chegando lá, praia, lugar de deleites e risos, a dor não e deixou. Ela só me deixava em paz numa posição: agachado.    A dor não me deixava alternativas. Qualquer coisa para livrar-me dela: cirurgia. Mas a cirurgia era de resultados duvidosos. Um ortopedista conhecido, sabendo dos riscos, me disse: “Só faço cirurgia de hérnia de disco quando o paciente ameaça cometer suicídio...”.   Pois é isso mesmo que acontece: a dor, ultrapassado

Reconciliação, Marcos Rodrigues

                                                                                                                                    Dom Pedro Mourão, bispo da Diocese do Alto Cristalino sabia que São Sebastião do Alto era uma cidade de jovens migrantes. Povo valente que veio do sul para plantar o futuro. Era uma ilha de gente, num imenso mar de soja. Sabia que a cidade se deixara levar por sua juventude e sua riqueza. Sabia também que dinheiro e hormônios não combinam com temperança. São Sebastião, tão pequena, trepidava.    O que Dom Pedro não sabia é que a alma do padre Borelli, a quem indicara para cuidar da paróquia, não harmonizava com combate à luxúria. Se, no momento da indicação, prestasse atenção nas pálpebras do padre, teria notado que tremiam à medida que ouvia sobre a lascívia que embebia o tecido social da paróquia . Teria notado que o cura abaixava a cabeça em pungente contrição. Mas, bispos não prestam atenção nessas coisas e padre Borelli foi para São Seba

Meu Segredo,Castro Alves

À Senhora D* * *  I Eu tenho dentro d'alma o meu segredo Guardado como a pérola do mar; Oculto ao mundo como a flor silvestre Lá no vale escondida a vicejar. Eu guardo-o no meu peito... É meu tesouro, Meu único tesouro desta vida. — Sonho da fantasia — flor efêmera Uma nuvem, talvez, no céu perdida ... Mas que importa? É uma crença de minha alma — Gota de orvalho d'alva da existência Última flor, que vive aos raios mornos Do sol de amor na quadra da inocência. Só, quando a terra dorme solitária E ergue-se à meia-noite, branca, a lua, E a brisa geme cantos de tristeza Na rama — do pinheiro — que flutua;

Conversa Com o Diabo I, Rubem Alves.

         Ele chegou e foi falando num tom queixoso:    “Falam mal de mim. Dizem que gosto das coisas feias, que tenho cheiro de enxofre, chifres e patas de bode. Houve mesmo maledicentes que disseram que eu e Lutero inventamos a guerra química, pois nos atacávamos fazendo uso de gases mal cheirosos expelidos pelo orifício inferior. O Riobaldo, conhecedor das tolices da cabeça dos homens, sabia do gosto que têm as pessoas pelas invencionices.”    Para documentar o que ia dizer, abriu a mala 007 e tirou de lá de dentro um volume do livro Grande sertão: veredas . Estava caindo aos pedaços, folhas soltas, folhas rasgadas.    “O senhor me perdoe pelo estado do livro. É que ele é minha segunda Bíblia, do jeito coo diz Adélia. Todo dia leio um pedacinho. Nem sei mesmo quantas vezes já li o livro de cabo a rabo. Modéstia à parte, é preciso que se saiba que eu ajudei o João. Acham que ele a inventar tudo aquilo sozinho? Quando termino de ler o livro, começo de novo. Pois