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Mostrando postagens de março, 2015

As Três Pipas do Vovô, Aline Dexheimer

- Amanhã é dia de que? – Meus filhos perguntam, os três ao mesmo tempo. - Amanhã é dia de vovô e vovó – Eu respondo. Eles saem saltitantes pela casa brincando e gritando. -EBA! Amanhã é dia de vovô. Como é bom "ser" criança e esperar pela visita dos avós no "mingo" (Domingo, dia dos avós). Uma semana eles vêm, outra nós vamos. Neste dia, o vovô veio cheio de papéis, cola e tesoura. É dia de vovô e também de churrasco. OBA! A surpresa do dia. O Vovô faria pipas para as crianças. Depois do churrasco, o vovô sentou, rodeado de seus trinetos para confeccionar as pipas. Sentados lá na garagem, ficaram a tarde toda fazendo uma pipa, enquanto ele resgatava gostosas memórias de sua própria infância. Uma tarde não seria suficiente para as três pipas. Mas a diversão já estava preparada. Só faltava o vento! Cadê o vento? Naquela tarde muito quente de verão não tinha vento, mas não impediu que a turma se divertisse da mesma forma. Foi preciso mais um domingo p

Roxo, Érika Valença

Ela era vestida de poesia abotoava os versos ajustava as rimas e tudo combinava. Maquiava seu rosto com pinceladas de metáfora cor-de-rosa e lábios com antíteses carmim.  Não tinha rima nem ouro e calçava-se com delicadas menotímeas. Vivia entre cores, texturas e sensações Passeava pelos seus desejos ricos de imaginação e compadecia nos vícios de linguagem. Era cega e apenas enxergava pelo amor.

Bilhete A Um Candidato, Rubem Braga

                             " Olhe aqui, Rubem. Para ser eleito vereador, eu preciso de 3 mil votos. Só lá no jóquei, entre tratadores, jóqueis, empregados e sócios eu tenho, no mínimo mas no mínimo mesmo, 300 votos certos; vamos botar mais 100 na Hípica . Bem, 400. Pessoal de meu clube. o Botafogo, calculando com o máximo pessimismo, 600. Aí já vão mil.    Entre colegas de turma e de repartição contei, seguros 200; vamos dizer 100. Naquela fábrica da gávea, você sabe, eu estou com tudo na mão, porque tenho apoio por baixo e por cima, inclusive dos comunas; pelo menos 800 votos certos,mas vamos dizer 400. Já são 1.500.      "Em Vila Isabel minha sogra é uma potência, porque essas coisas de igreja e caridade tudo lá é com ela. Quer saber de uma coisa? Só na Vila eu já tenho a eleição garantida, mas vamos botar: 500. Aí já estão, contando miseravelmente, mas mi-se-ra-vel-men-te, dois mil. Agora você calcule: Tuzinho no Méier, sabe que é médico dos pobres, é um sujeito qu

Dona Alegria, Austro Costa

Dona Alegria pediu-me uns versos. Oh, certamente que eu lh'os faria ...      Que versos lindos, suaves e tersos       não merecera Dona Alegria! Dona Alegria dos grandes olhos, grandes e belos, da cor do Céu... Que tem catleias florindo, aos molhos, à nívea copa de seu chapéu... Dona Alegria perdeu a luva. Nem sabe como! Foi outro dia: tomando um bonde, fugindo à chuva... Contudo, riu-se Dona Alegria. Dona Alegria na rua Nova, Vai ao cinema? Vai com a mamã.      Dona Alegria dá-me uma trova!      Não tenho um verso para amanhã. Dona Alegria cheia de graça, de quem sou poeta e de quem  sou servo, passa sorrindo com a mamã... Passa... E eu lembro uns versos de Amado Nervo. Dona Alegria mando-lhe agora as rimas pobres desta poesia. Perdoe-me , e ainda pela demora... Mas... vão com a luva, Dona Alegria                 Austro Costa (1899-1953) In Costa, Austro,Mulheres e rosas;Vida e sonho; De monóculo - 2.ed. revis

Episódio de hoje:Tudo Por Um Cotonete, Ariane Bomgosto

    Toda vez que mamãe vai tomar banho e me esquece aqui fora, fico deitado bem juntinho à porta, esperando ela acabar. Fecho os olhos mas não durmo, só finjo. Assim, quando minha irmã passa, ela não esfrega a minha cabeça nem aperta as minhas bochechas, e olha que nem as tenho. Pra falar a verdade, nunca vi um cãozinho ter bochechas, mas a doida da minha irmã sempre diz que tenho, e que nada é melhor do que apertá-las. Isso tudo me confunde um pouco, mas tudo bem. Enquanto fico quietinho aqui, posso ouvir o barulhinho da água do chuveiro, de que eu tanto gosto. Isso não quer dizer que eu goste de tomar banho. Aquele tanque e a água gelada em nada me atraem. Mas confesso, tenho vontade de experimentar um banho quentinho, de chuveiro.       Papai chegou, já ouvi o barulho que o carro dele faz quando entra na garagem. Mas vou continuar aqui, não saio daqui por nada, afinal, mamãe é mamãe. É ela quem cuida de mim. Me leva na rua todos os dias à tarde, põe a minha comida

A Morte do Cisne, Austro Costa

Mil amores cantei. Fáceis amores... Vagas quimeras... leves utopias... Vãos devaneios de que enchi meus dias Nos vinte anos azuis dos sonhadores... Mil amores cantei... mas, entre flores, Beijos, risos, promessas, fantasias, Vi-os bater as asas fugidias... Não me deixaram lágrimas, nem dores. Este, porém, que se aprimora em pranto E renúncia em minh'alma - estranho e santo Amor, a que não trazes teu socorro Este, sim! vale o canto que te ofereço. Ouve-o, e guarda-o! Ele é teu. Será, decerto, O meu canto de Cisne. Canto-o e morro.

Capibaribe, Meu Rio - Austro Costa

                             Há algum tempo este blog dedicou-se a publicar Olegário Mariano, poeta pernambucano esquecido na próprio estado.  Antes de ontem, um internauta me cobrou material de Austro Costa. Foi quando descobri que dele só conhecia um poema que é praticamente o único (pouco) divulgado. Perplexa com mais esse esquecimento, me comprometi em publicar o autor.  Capibaribe, meu rio,  espelho do meu sonhar quero fazer-te o elogio, mas penso: Se te elogio, é a mim que estou a elogiar... Capibaribe, meu rio, espelho do meu sonhar... Meu velho Capibaribe meu irmão de sonho e amor... .............................................. Capibaribe, meu rio, Que vida levamos nós! tu corres: eu rodopio... E há quarenta anos a fio: sempre juntos - e tão sós! Capibaribe, meu rio, que vida levamos nós! Mas sabe Deus a constância com que sofreste e eu sofri, para, vencida a distância, vermos quão cega foi a ânsia com que sofreste e eu sofri... Capibar

Quadrilha, Carlos Drummond de Andrade e Zack Magiezi

Quadrilha Carlos Drummond de Andrade João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. Quadrilha Zack Magiezi João que amava Teresa que curtia as fotos de Raimundo que seguia todos os posts da Maria  que adorava conversar no Whatsapp com Joaquim  que acha perfeita a vida fotográfica de Lili,  que na verdade era uma solitária.  João foi para os Estados Unidos, Teresa deletou sua conta,  Raimundo criou um perfil fake para continuar seguidor, Maria foi bloqueada, Joaquim sentiu-se invisível e Lili cansou de falsificar felicidade que às vezes está   no simples encontro real.

São José, rogai por nós. Cícero Belmar.

Por ser 19 de março, tenho a sensação de que é um dia diferente. Posso refazer a frase? Tenho certeza de que é um dia especial por ser dedicado a São José, padroeiro de Bodocó, minha cidade. Melhor dizendo, padroeiro dos sertões. Quando eu era criança acreditava piamente, assim como todo povo do Sertão, que o marceneiro esposo da Virgem Maria eram quem derramava as bênçãos divinas em forma de chuva naquele chão semiárido. Seguíamos em procissão. Contritos, sob o sol. Mandacarus de braços erguidos. Nós, diante do Divino, olhos para o chão. Quem éramos? Muitos anos passaram e eu deixei de pensar como criança. Mudei, desacreditei naquela crendice ingênua. Estudei, aprendi algumas coisas. Li a filosofia, a psicanálise, a teologia. Fui existencialista. Neguei o que aprendi no passado. Mas o tempo não para, disse Cazuza. Não para mesmo. Descobri que li erradamente muitos livros. De filosofia, de psicanálise, de teologia. Tive a graça e o tempo de reapr

Meus Dois Amores...O filme

                 Anunciado para amanhã o lançamento de Meus Dois Amores, filme de Luiz Henrique Dias baseado  num conto de Guimarães Rosa. A história é ambientada em Minas Gerais e fala do fanfarrão Manoel que vivia de dois amores:  Das Dô e a mula Beija Fulô.  O filme é uma adaptação do conto Corpo Fechado.  Quem estiver em  Recife, Rio de Janeiro,São Paulo, Belo Horizonte e Brasília já pode ir aos cinemas amanhã.   Meus Dois Amore s :  o conto que nomeou o filme pode ser lido em Sagarana.

Rua Do Olhar, Carlos Drummond de Andrade

Rua do Olhar Entre tantas ruas Que passam no mundo A Rua do Olhar, Em Paris, me toca. Imagino um olho Calmo, solitário, A fitar os homens que voltam cansados. Olhar de perdão Para os desvarios, De lento conselho E cumplicidade. Rua do Olhar: As casas não contam, Nem contam as pedras, Inertes no chão. Só conta esse olho Triste, na tarde, percorrendo o corpo, Devassando a roupa...

Fim e Começo, Mariane Fredriksson e José Eduardo Agualusa

Acabei de ler Hanna e Suas Filhas               O  livro me prendeu logo nas primeiras páginas. Contada com franqueza, e lirismo a saga de três gerações que viveu no século XIX na Noruega e Suécia deixa o leitor encantado. As protagonistas, pela ordem cronológica Hanna (avó) Johana (a mãe) e Anna (filha) veem, participam e acompanham as mudanças de suas vidas e do mundo com as mudanças de estação, a guerra de Hittler, a chegada do automóvel na zona rural etc. A força feminina é quem sustenta a história num livro que não é feminista. Qualquer um de nós, pode identificar-se com qualquer personagem ou situação independente de gênero ou idade mesmo estando num país e época tão diferentes como no Brasil de agora.  Recomendo a leitura.  Hanna e Suas Filhas Marianne Fredriksson Últimos parágrafos: "-Tenho  uma chave extra para o estojo. Portanto, agora vou dar uma chave para cada uma de minhas filhas.    Elas aceitaram a chave, completamente incapazes de agrade

Aviso Da Lua Que Menstrua, Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua... Imagine uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço às vezes parece erva, parece hera cuidado com essa gente que gera essa gente que se metamorfoseia metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar mas é outro lugar, aí é que está: cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.. Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro, transforma fato em elemento a tudo refoga, ferve, frita ainda sangra tudo no próximo mês. Cuidado moço, quando cê pensa que escapou é que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga é que tô falando na "vera" conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado ou sem os devidos c

Wabi, A Página Que Estou Lendo.

Imagem: Regina Porto É um boy que masca chiclete para elefante, a julgar pelo vigor e pela amplidão mandibular a que essa mastigação o obriga. "Sra. Michel? , pergunta. E põe um embrulho entre minhas mãos. "Não há nada para assinar?", pergunto Mas ele já desapareceu.      É um pacote retangular embrulhado em papel kraft amarrado com barbante, do tipo desses que se usam para fechar sacos de batatas ou para arrastar no apartamento uma rolha de cortiça com a finalidade de distrair o gato e obrigá-lo ao único exercício que ele consente. Na verdade, esse embrulho com barbante me faz pensar nas embalagens de seda de Manuela, pois, embora nesse caso o papel seja mais rústico que sofisticado, há no cuidado dispensado à autenticidade do embrulho algo similar e profundamente adequado. Note-se que a elaboração dos conceitos mais nobres se faz com base no trivial mais grosseiro. O belo é a adequação é um pensamento sublime surgido das mãos de um boy ruminante. Depois que sa

Viola Enluarada, Marcos e Paulo Sérgio Vale

Imagem: Regina Porto A mão que toca um violão Se for preciso faz a guerra, Mata o mundo, fere a terra A voz que canta uma canção Se for preciso canta um hino, Louva à morte. Viola em noite enluarada No sertão é como espada, Esperança de vingança. O mesmo pé que dança um samba Se preciso vai à luta, Capoeira. Quem tem de noite a companheira Sabe que a paz é passageira, Pra defendê-la se levanta E grita: Eu vou! Mão, violão, canção e espada E viola enluarada Pelo campo e cidade, Porta bandeira, capoeira, Desfilando vão cantando Liberdade. Quem tem de noite a companheira                                Para ouvir a música clique aqui Sabe que a paz é passageira, Pra defendê-la se levanta E grita: Eu vou! Porta bandeira, capoeira, Desfilando vão cantando Liberdade. Liberdade, liberdade, liberdade