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Meu nome é Mort. Ed Mort.detetive particular. É o que está no diploma.Fiz o curso por correspondência.Foi difícil.Tive que subornar o carteiro para passar. Meu escri fica numa galeria, entre uma loja de carimbos e uma pastelaria, É difícil distinguir os pastéis dos carimbos, os pastéis são os que deixam a mão preta. Eu tinha o escritório também, mas subaluguei. Essa galeria é tão mal frequentada que os assaltantes não dizem mais: "É um assalto." Dizem: 'É outro". Divido o escri com cento e dezessete baratas e um ratão albino. O ratão às vezes desaparece, mas sempre volta. Por isso eu o chamo de Votaire. Sou duro. Meus credores sabem disso. Mesmo assim insistem em cobrar. Sorrio para um lado. Às vezes para o outro. Tenho o bigode que Thuran Bey usou pela última vez em O Califa de Bagdá. Era tão falso que depois de uma cena de beijo ele passou para a Maria Montez.
Mort. Ed Mort.
Eu estava no meu escritório, pensando no que iria almoçar, algum dia, quando ela entrou. Se era bonita?
No dia em que Deus fizer uma exposição de sua obra, põe ela na capa do catálogo. E falava!
- Mort. Ed Mort?
- Em carne e, principalmente, osso.
- Estou interrompendo alguma coisa?
- Só o meu rítimo cardíaco, beibi.
Senti uma certa inquietação entre as baratas. Elas odeiam estes diálogos. Ela se identificou. Era uma repórter.Queria me entrevistar.Eu disse para ela se sentar.Ela olhou em volta. Onde? Sugeri o meu colo. Ela interpretou mal. Pensou que eu estivesse propondo alguma intimidade. Preferiu ficar de pé.
- Qual é a sua origem, Mort?
- Eu saí do nada.
- Uma infância pobre?
- Não. A cabeça do Veríssimo.
- E ele criou você do nada?
- Você não conhece o Veríssimo. Sou uma paródia literária. Phillip Marlowe, Sam Spade. Esses caras. Cínicos, mas sentimentais. frases curtas como o cano do seu 38.Você os conhece.
- Não vejo nenhuma arma.
Com um gesto rápido que a assustou, saquei o talão da loja de penhores onde está a minha arma. Logo a tranqüilizei, no entanto. Não pretendia usá-lo. Repus o talão no coldre.
- Você é um típico detetive daliteratura policial americana...
- Acertou, pequena. Vejo que essa cabeça não está aí só para decoração.
- Mas o Veríssimo fez você brasileiro.
- Ainda o pego por isso.
- Você antes saia só em textos. Depois virou história em quadrinhos. O Miguel Paiva foi quem lhe deu essa cara.
- Ainda o pego por isso também.
- Você vive se metendo em aventuras que acabam mal. Tem um código de honra particular mas ainda não conseguiu decifrá-lo. Disse certa vez que de tanto passar fome ainda chegaria a um estágio superior de percepção metafísica e esperava que lá tivesse um MacDonald's. Na cama é violento, incansável, um verdadeiro atleta -tem o sono agitado, que nenhuma mulher quer dormir com você.
- Se você sabe tudo isso, por que a entrevista?
- A entrevista é imaginária. Só um truque par encher este espaço até aqui.
- Hmm. Você conhece o Veríssimo.
(Em: Pai Não Entende Nada, 1991)
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