D.Lúcia Santina Dresch - imagem: Gazeta do Povo |
Minhas mãos estavam trêmulas. Olhava para aquele lugar e não conseguia encontrar
um canto para acalmar minha ansiedade. Estava sozinha. A mulher que me recebeu
na secretaria da faculdade não imaginava que estava ali para falar de mim, do
meu maior sonho. Aos 71 anos, fiz minha inscrição para o vestibular de
pedagogia. E passei.
Nasci em 1931, em Arroio do Meio, interior do Rio Grande do Sul. Sou a filha do meio de cinco mulheres de uma família simples. Logo cedo pedia para estudar, como alguns vizinhos faziam. Não existia ensino público. Era preciso pagar. Minha mãe não via valor nos estudos, só na enxada. Meu pai queria realizar nossos sonhos. Com o apoio dele, aos 8 anos entrei na escola.
Para não me atrasar, acordava quando nem havia sinal de sol. Trocava de roupa na penumbra. O trajeto para a escola resumia-se a uma trilha, no meio do mato. Quando chovia, ia a pé com outras crianças. Quando não, a cavalo. Não perdia uma aula. Queria conhecer o mundo além da trilha da minha casa até a escola. Na volta para casa, almoçava e ia ajudar meu pai na lavoura. Só conseguia voltar aos livros à noite. Meu pai acendia o forno a lenha para eu ler.
Nasci em 1931, em Arroio do Meio, interior do Rio Grande do Sul. Sou a filha do meio de cinco mulheres de uma família simples. Logo cedo pedia para estudar, como alguns vizinhos faziam. Não existia ensino público. Era preciso pagar. Minha mãe não via valor nos estudos, só na enxada. Meu pai queria realizar nossos sonhos. Com o apoio dele, aos 8 anos entrei na escola.
Para não me atrasar, acordava quando nem havia sinal de sol. Trocava de roupa na penumbra. O trajeto para a escola resumia-se a uma trilha, no meio do mato. Quando chovia, ia a pé com outras crianças. Quando não, a cavalo. Não perdia uma aula. Queria conhecer o mundo além da trilha da minha casa até a escola. Na volta para casa, almoçava e ia ajudar meu pai na lavoura. Só conseguia voltar aos livros à noite. Meu pai acendia o forno a lenha para eu ler.
Na minha formatura da 4ª série, fui a primeira aluna da sala. Ganhei de presente um livro de histórias e uma caixa de bombons. Nunca tinha comido chocolate, nem provado o sabor de uma conquista. Uma das professoras notou meu interesse e se ofereceu para ajudar a arcar com meus estudos. Eu teria de morar na casa dela, porque a escola era longe do nosso sítio. Fiquei fora de casa por uma semana. Não aguentei de saudades.
Logo depois, mudamos de cidade, e não existia um centro de ensino próximo. Naturalmente, a vida me levou de volta para a roça. Casei aos 16 anos. Tive oito filhos. À procura de terras férteis, fomos para Quatro Pontes, no Paraná, onde moro até hoje. Criei minha família com o trabalho na lavoura. Quis que todos os meus filhos estudassem. Nunca abandonei a vontade de voltar a frequentar uma sala de aula.
Aos 69 anos, soube de uma campanha da prefeitura para que os moradores voltassem a estudar. Meus filhos eram independentes, e eu viúva. Não tinha compromisso com mais ninguém. Decidi encarar o desafio. Peguei carona com um vizinho e, sem dar satisfação a nenhum filho, fiz a inscrição no supletivo para completar o ensino fundamental e o médio. Foram dois anos.
Ali, descobri que me faltava uma faculdade. Alguns filhos, percebendo minha motivação, propuseram pagar para mim. Prestei vestibular para pedagogia aos 71 anos. Passei na primeira chamada. Fui muito ajudada durante todo o curso pelos meus colegas de sala, que tinham idade para ser meus netos. Até lugar no ônibus da volta eles reservavam para mim. Nos três anos do estudo, faltei dois dias porque o ônibus passou mais cedo. Na formatura, meus filhos aplaudiram de pé minha conquista. Lancei um livro com minhas memórias para agradecer a todos que me apoiaram. Com esse curso, vou ajudar meus 17 netos e 12 bisnetos a encontrar prazer nos livros. Ajudo os que estão por perto em casa a estudar. Uso Skype e Facebook para manter contato com os que moram longe."
(Revista Época)
Sobre o livro: Memórias e Tajetória de Uma Vida, clique aqui.
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