Por vocês
Agora que estamos sozinhos, entre amigos,
gostaria de pedir a cumplicidade de todos vocês para que me ajudem a conseguir
suportar a lembrança desta tarde, a primeira em minha vida em que vim de corpo
presente e em pleno uso de minhas faculdades para fazer ao mesmo tempo duas
coisas que eu tinha prometido a mim mesmo não fazer jamais: receber um prêmio e
fazer um discurso.
Sempre acreditei, contra outras opiniões
muito respeitáveis, que nós, escritores, não viemos ao mundo para sermos
coroados, e muitos de vocês sabem que toda homenagem pública é um princípio de
embalsamamento. Sempre acreditei, enfim, que nós, escritores não somos
escritores por nossos próprios méritos, e sim pela desgraça de não conseguirmos
ser outra coisa na vida, e que nosso trabalho solitário não deve merecer mais recompensa
nem mais privilégios que os que merece o sapateiro por fazer sapatos. No
entanto, não pensem que venho me desculpar por ter vindo, nem que trato de
menosprezar a distinção que fazem, ao amparo do nome propício de um homem
grande e inesquecível das letras da América. Ao contrário: eu vim regozijar no
espetáculo público, por ter conhecido um motivo que abre gretas em meus
princípios e amordaça meus escrúpulos: estou aqui, amigos, simplesmente por
causa do meu antigo e obstinado afeto por esta terra em que certa vez fui
jovem, indocumentado e feliz, como um ato de carinho e solidariedade com meus
amigos da Venezuela, amigos generosos, porristas, sacanas e gozadores até a
morte. Por eles eu vim, ou seja, por vocês.
Discurso feito por ocasião do recebimento do
Prêmio Rómulo Gallegos, concedido a Cem Anos de Solidão.
Caracas, Venezuela 2 agosto de
1972
Em: Eu Não Vim Fazer Um Discurso, Márquez Gabriel G.
Ed.Record 2011.
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