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Juca Mulato (9): Ressureição



Ressurreição
1
Coqueiro! Eu te compreendo o sonho inatingível:
queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
O destino que tens de querer o impossível
é igual a este meu de querer ser feliz.
Por mais que bebas a seiva e que as forças recolhas,
que os verdes braços teus ergas aos céus risonhos,
no último esforço vão, caem-te murchas as folhas
e a mim, murchos, os sonhos!
Ai! coqueiro do mato! Ai! coqueiro do mato!
Em vão tentas os céus escalar na investida...
Tua sorte é tal qual a de Juca Mulato...
Ai! tu sempre serás um coqueiro do mato...
Ai! Eu sempre serei infeliz nesta vida!"
2
"Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
este sonho que ergui, o poderia por
onde quisesse, longe até da minha dor,
em um lugar qualquer onde a ventura mora;
onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
eu coloquei muito alto o meu sonho de amor...
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade
teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
e oculta-o sem saber se depois o achará...
E quando vai buscar sua felicidade,
ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
escondeu-a tão bem que nem sabe onde está!"
3
E Mulato parou.
Do alto daquela serra,
cismando, o seu olhar era vago e tristonho:
"Se minha alma surgiu para a glória do sonho,
o meu braço nasceu para a faina da terra."

 
Reviu o cafezal, as plantas alinhadas,
todo o heróico labor que se agita na empreita,
palpitou na esperança imensa das floradas,
pressentiu a fartura enorme da colheita...
Consolou-se depois: "O Senhor jamais erra...
Vai! Esquece a emoção que na alma tumultua.
Juca Mulato volta outra vez para a terra,
procura o teu amor numa alma irmã da tua.
Esquece calmo e forte. O destino que impera
um recíproco amor às almas todas deu.
Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
procura esse outro olhar que te espreita e te espera,
que há, por certo, um olhar que espera pelo teu..."

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