O Último rasto
É o seu último rasto...Deitado para a morte, no chão verde do pago em que vivera, o fogoso bagual de outrora, do alto da coxilha onde definha,vê, além, o sol também morrendo...
É uma agonia ao acaso.
Não pode mais se erguer!
À pegada segura da pata sucede o rasto sangrento de seu dorso, deixando na grama machucada os vestígios de pelo luzidio.
É o último rasto seu, que fica sobre o campo airosamente pisado tantas vezes!
... E, lesto, em longo vôo tardo, um urubu vem descendo sobre aquela pupila agonizante, na ânsia cruel de debicá-la, para que não gele, talvez, na órbita profunda, guardando no cristalino da retina a visão derradeira da querência.
Vencido
Quando o índio Nico apontava na coxilha, em direção à casa, batendo largamente os calcanhares, escapando pelas pontas dos pés as tamancas de cepos gastos, a égua alazã, a cria baia escaramuçando atrás, já se tomava cuidado com o charque no varal, por causa do Topete, conhecido avestruzeiro das redondezas.
Alto, delgado,boca negra, esse jaguara bernento em tudo se assemelhava ao dono.
Lombo de sem-vergonha eram ambos.
Por onde passassem, pontas de gado corriam em direção ao rodeio e avestruzes desasavam-se cabriolando gambetas ao ganido fino e cansado do Topete.
Nos galpões onde chegava não havia guasca que escapasse inteira: de uma feita chegou a tirar um coração de sebo pendurado num cachorro e foi comê-lo rosnando, atrás dos chiqueiro dos terneiros.
O dono era a mesma cousa: pedincha e vadio. tudo lhe servia: uma tira de lonca para costurar a carona vermelha de couro cru, um facão de aparar casco, para fazer gancho e cortar capim, finalmente, qualquer cousa convinha.
Antigamente, vivera de capanga; agora, cortava santa-fé por empreitada no banhado das Tiriricas, onde erguera um ranchinho.
Vencido pelo meio, sua inércia era um protesto às coisas de hoje.
- Dantes - lembrava a pitar, com ar sarcástico - tudo aberto,campanha grande, não se chorava um matungo, um angico oco para furar oropa, avestruz não tinha dono, era de quem pertencesse as boleadeiras.
Agora até parece que peixe e mulita têm marca. Chô-mico!
E assim filosofando um vencido do pampa definha, revivendo a vida de outros tempos...
No pampa
Sua história é a de todos: piazote, redomoneando potrancas, depois enfrenando por conta própria e, finalmente, o seguro vaqueando da fronteira, conhecedor de todos os atalhos.
Rio Inhanduí - Alegrete, RS |
Corredor de profissão, sua vida decorreu numa carreira longa, dumbarrancamento para outro.
Salvou muita parada, inclusive a última, em que um guaiapeva se atravessou no trilho..
Morreu, mas rodou na frente.
E assim, atravessados para sempre na raia direita de uma cancha, acabaram anônimos, um potrilho de esperança e um corredor de fama.
(Nota:o blog manteve a grafia original)
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Clemenciano Brum Barnasque nasceu em São Sapé - RS em 1892 e faleceu aos 49 anos em POA.
Era regionalista, porém seu tema não se resumiu à figura do gaúcho que o "monarca das coxilhas" representava. Clemenciano Barnasque foi um paisagista dos pagos, animalista das coxilhas que, como os artistas plásticos, voltou-se aos aspectos da vida em campanha. Fez isso em prosas poéticas que denominou de "marchas pampeanas." Excetuando o "centauro dos pampas", derramou seu ufanismo em os "centauros da história" no livro Efemérides Rio- Grandenses, de 1931 e em O Rio Grande na História e na Legenda de 1932. Clemenciano Barnasque foi redator da Imprensa Oficial do Estado e Inspetor Estadual de Ensino (Graciliano Ramos também foi em Alagoas). Auto denominava-se um índio de São Sapé. Costumava ser encontrado sempre de bombachas e cuia de mate às mãos mesmo que em casa. O texto acima postado é de seu livro de estreia: No Pago de 1925.
(Fonte: Entrevero. Ed. L e PM. - Responsável pelos autores gaúchos: Carlos Reverbel)
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