O candidato a vereador tinha prometido ao vigia do seu comitê, Karlisson, e à "bandeirista" de sua campanha, Rosikássia, que, se eleito, arrumaria emprego fixo pros dois. Karlisson sonhava comprar uma moto pra fazer de táxi em Carpina. Sua irmã, Rosikássia, não disse com que sonhava. Mas se sonhava, o sonho acabou. O candidato não se elegeu, nem suplência pegou. Praga? Yo no las creo.
Rosikássia, moça simples do interior, não tem o primário completo. Não sei com que sonha nem o que pensa. Mas que ela pensa, pensa, todo mundo pensa. Por certo, não um pensamento muito elaborado. Mas nem tudo na vida é tão elaborado e complicado. Algumas coisas são óbvias, tão na cara, escancaradas.
Pus-me a pensar no que pensaria ela agora, passada a eleição, de novo sem trabalho, de volta à casa dos pais, morando com seis irmãos, tirando Karlisson, todos mais novos que ela. "De que me valeram esses dois meses, trabalhando dez horas por dia pra ganhar dez mil réis, mais uma quentinha e um lanche? De nada. Pra isso serve emprego por um tempinho. Pra gente pensar que saiu do lugar sem sair".
Agitando bandeira na Agamenon Magalhães, Rosikássia conheceu meninos de rua, vendedores de quinquilharias, pedintes e lavadores de pára-brisa de carro. No dia seguinte e seguinte estavam todos lá, tão miseráveis quanto no dia anterior e anterior, como se nunca tivessem saído dali. Na avenida, só os carros passam. A vida deles só sai do lugar quando morrem.
Por um instante, pensou que se o candidato tivesse sido eleito, teria emprego fixo, carteira assinada, férias, décimo terceiro... "Mas e meus irmãos? Ninguém prometeu nada a eles. O certo seria que emprego não fosse coisa arrumada. Mas merecida e devida, que todo mundo tivesse direito, para se sustentar e melhorar de vida."
Um pensamento não lhe sai da cabeça, imagino: "Por que será que o doutor queria ser vereador? Um homem tão rico, já tem tudo que precisa e quer... Pra que danado gastou tanto dinheiro na campanha? Será qu"ele ia mesmo trabalhar pra melhorar a vida do povo? Duvido. Iria atrás de tudo que gastou e de mais algum." Ouviu dizer que vereador recebe dinheiro até pra comprar paletó, que pagam 100 reais no restaurante, escrevem 200 na nota e 100 vai pro bolso, que empregam tudo quanto é parente e amigo. "E não é emprego como o que prometeram pra gente, não. É de milhão pra cima. Vereador serve pra quê? Sei lá!"
Lembrou que lhe haviam dito no Recife que tudo que dá emprego às pessoas é bom. "Será?" - pensou. "Quer dizer que passar bicho, vender droga, virar puta, cobrar dízimo e roubar é bom por que dá dinheiro? Deus me defenda!"
Ah, Rosikássia! Se eu acreditasse Nele, diria com fé: "Deus lhe proteja".
E se fosse poeta, faria versos como Fernando Pessoa: "Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois. Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas..."
P.S. – Recebi vários telefonemas e 34 e-mails de leitores sobre a crônica de sábado passado, Com que sonha Rosikássia?, a qual foi republicada nos blogs Jornal da Besta Fubana e Livraria Kriterion (esta de Jairo Lima, em Natal). A de hoje, O que pensa... , foi sugestão de Roserlei
Leia também:"Com que sonha Rosikássia"
Comentários
Postar um comentário
comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.