As mulheres loucas arrumam os quartos, fazem as camas desfeitas, empilham camisas e calças, abotoam os cintos do infinito, prendem os laços da sombra. Com os seus olhos cegos, enfiam agulhas no buraco da vida, cosem as feridas do amor que não tiveram, cantam devagar a canção da idade fria. Dispo essas mulheres no meu poema; espalho as suas roupas pelas cadeiras do quarto; abro a cama onde as deito; rasgo os pontos que acabaram de coser. O seu sexo - seco pelos ventos de uma inquietação nocturna - humedece-me os dedos. Desfolho os dias de março enquanto desfloro os seus lábios. Por vezes, as mulheres loucas abrem a porta da varanda, respiram o perfume das trepadeiras brancas da primavera, desmaiam com o sol. Sobre o autor: Nuno Júdice (29/4/1949-13.3/2024) é um ensaísta, poeta, ficcionista e professor universitário português. Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e obteve o grau de Doutor pela Universidade Nova. Obras do autor: 50 anos de Poesia - antologia A P