Há um cansaço da inteligência abstracta e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo nem inquieta como o cansaço pela emoção. É um peso da consciência o mundo, um não poder respirar com a alma..
Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as ideias em que temos sentido a vida, todas as ambições e desígnios em que temos fundado a esperança na continuação dela, se rasgam, se abrem, se afastam tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por detrás da derrota surge pura a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado.
O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. Umas vezes vem sobre nós como um fantasma sem forma, e a alma treme com o pior dos medos — a da incarnação disforme do Não-ser. Outras vezes está atrás de nós, visível só quando nos não voltamos para ver, e é a verdade toda no seu horror profundíssimo de a desconhecermos.
Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e da alma. E o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?
E então vem-me o desejo transbordante, absurdo, de uma espécie de satanismo que precedeu Satan, de que um dia — um dia sem tempo nem substância — se encontre uma fuga para fora de Deus e o mais profundo de nós deixe, não sei como, de fazer parte do ser ou do não-ser.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. (1930)
Imagem: Yevgenia Nayberg
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