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O Que Estou Lendo: O Bruxo do Contestado, Godofredo de Oliveira Neto.

     Tecla, uma cativante narradora que testemunhou a Segunda Guerra Mundial no Brasil, o regime militar de 1964 e se emocionou com a Guerra do Contestado (1912-1916) por meio dos depoimentos do atormentado Gerd Rünnel ― personagem que carrega, ele próprio, uma guerra dentro de si ― expõe ao leitor em estilo fluido e criativo esses três momentos cruciais da história brasileira. 
 A crucial Guerra do Contestado e seus importantes desdobramentos, até hoje pouco difundidos no Brasil, são aqui descritos de maneira inédita e necessária. Calcula-se que vinte mil pessoas se envolveram diretamente na conflagração e, considerando-se o conjunto, houve cerca de quinze mil mortes no Contestado. A metade do exército brasileiro foi deslocada para a região, toda a República se mobilizou, o Supremo Tribunal Federal chegou a analisar pedido de habeas corpus em favor dos revoltosos, Epitácio Pessoa e Rui Barbosa advogaram para as partes em conflito. A imprensa brasileira advertia para a possível reedição de Canudos. Acrescia-se ao fato as divergências de fronteira com a Argentina na fixação dos marcos dos limites territoriais e a disputa internacional entre as ideologias que iriam caracterizar o século XX. 
     Godofredo de Oliveira Neto mergulha o leitor nesses meandros políticos, além de descrever um vasto painel da imigração europeia no Brasil. O bruxo do Contestado já foi matéria de estudo em várias instituições do país, como a Academia Militar das Agulhas Negras, universidades e escolas do ensino médio. A revista americana The Dirty Goat situa o autor entre os três mais importantes escritores da época (em entrevista de Silviano Santiago). O Journal of Brazilian Literature, da Brown University/PUC-RS e o Jornal de Letras de Lisboa destacam o romance no cenário da literatura brasileira contemporânea.  ( Amazon)

O que diz o autor sobre sua obra: 
       "A Guerra do Contestado foi um episódio estruturante na geopolítica mundial do século XX. A historiografia brasileira nunca estudou direito esse acontecimento. Pela primeira vez no continente americano, disputando com o México, foram utilizados aviões com fins militares, armas e munições usadas na primeira Guerra mundial foram testadas no Contestado, emissários do partido dos operários russos, exilado em Zurique, foram enviados à região, representantes dos sindicatos ingleses idem. 
O maior empreiteiro do mundo na época, Percival Farqwar, foi construir a ferrovia S. Paulo - Rio Grande, passando pela região. A primeira greve organizada por  trabalhadores brasileiros se deu naqueles rincões. O conflito Capitalismo x Socialismo, que se preparava no mundo, estava explícito ali. A internacionalização do conflito, por conta da fronteira com a Argentina próxima, ganhou mais vulto. Tropas argentinas foram prudentemente mobilizadas. Rui Barbosa e Epitácio Pessoa foram advogados dos dois estados brasileiros em litígio, Santa Catarina e Paraná, o que dá a dimensão também nacional da Guerra. E, no entanto, pouco se fala a respeito. Eu quis, sim, "aguçar", como na pergunta, a curiosidade do leitor. Havia pouquíssimas ficções escritas sobre. Um romance do Guido Sassi, excelente, aborda o tema com grande habilidade literária, mas ficava preso ao estilo do momento do autor. O cenário ficcionalizado começava naquela época da guerra e parava naquela época. No Bruxo do Contestado quis trazer o tema até os dias atuais. Existe agora um número bem maior de obras ficcionais abordando o tema."

(NETO, Godofredo de Oliveira, (nº Nº 24 | Ano 16 | 2017 | p.15-22) 

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