Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2022

Eulália, Rogaciano Leite

  Deixei-a solitária, por uns dias, Enquanto melhorava do ciúme, E saí pra evitar muitas porfias Que entre nós já se davam — de costume.   Nesse tempo eu andava arrumado! As brigas entre nós, frequentemente, Transformaram a abelha do passado Numa aranha de dor — sempre presente!   Então o inseto que fazia, outrora, Mel de carícias na feliz colmeia, Vinha fazendo entre nós dois, agora, O fel da vida — numa horrível teia!   Corri mundos... andei por terra estranha Procurando renúncia, esquecimento... Mas dia-a-dia se infiltrava a aranha Na teia enorme do meu pensamento!   Mandava-lhe presentes de onde estava, Escrevia-lhe cartas carinhosas Pedindo que esperasse que eu voltava E novamente nasceriam rosas...   Mas, uma noite, (Triste noite, amigo!) Eu entrei num Cassino.. . (Que amargura!) Ai! Não chores de ouvir o que te digo Nem te rias da minha desventura!   A sala estava cheia do cinismo Dos que, no vício, vão matar a sede. .. Era um antro de fumo e de...

Cão Sem Plumas, João Cabral de Melo Neto (poema na íntegra)

A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada. O rio ora lembrava a língua mansa de um cão, ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão. Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes. Abre-se em flores pobres e negras como negros. Abre-se numa flora suja e mais mendiga como são os mendigos negros. Abre-se em mangues de folhas duras e crespos como um negro. Liso como o ventre de uma cadela fecunda, o rio cresce sem nunca explodir. Tem, o rio, um parto fluente e invertebrado como o de uma cadela. E jamais o vi ...

Cem Anos de Perdão, Clarice Lispector

 Quem nunca roubou não vai entender. E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.      Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficava no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. "Aquele branco é meu." "Não, eu já disse que os brancos são meus." "Mas esse não é totalmente branco, tem janelas verdes." Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando.      Começou assim. Numa das brincadeira de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.      Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa vivo. fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era. E acontece...

O Comedor de Criancinhas, Francisco Bosco

     Michael Jackson é o primeiro transracial da história. É claro que houve, antes dele, negros modificando a aparência a fim de tornarem-se brancos. Houve, há e haverá, enquanto existir um sistema cultural que acredite em raças e postule a superioridade de uma raça em relação às outras. Antes do avanço das técnicas cirúrgicas e cosméticas, as modificações eram contudo menos drásticas, pelo menos do ponto de vista dos resultados: passava-se a ferro o cabelo, para alisá-lo, cobria-se o rosto de pó-de-arroz, clareavam-se os pêlos. Para ficarmos no mundo do showbiz norte-americano, Little Richard, na década de 1950, passava pó-de-arroz, desenhava as sobrancelhas e usava batom. Pouco antes de Michael, sua madrinha de carreira  artística - e depois desafeto - , Diana Ross, valendo-se já dos avanços na medicina estética, fez plástica para afinar o nariz. Hoje assistimos, sem qualquer assombro, negras louras como Mariah Carey ou Beyoncé Knowles: louras de cabelo liso ...

Eros e Psiquê, Fernando Pessoa

  ... E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. (Do ritual do grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal) Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria De além do muro da estrada Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado, Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem. A Princesa Adormecida, Se espera, dormindo espera. Sonha em morte a sua vida, E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado. Ele dela é ignorado. Ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o Destino — Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro, E, vencendo estrada e muro, Chega o...

Afinal, O Que É Poesia?

  'Afinal, O Que É Poesia?': exposição marca o centenário de João Cabral de Melo Neto no Recife Por causa da pandemia, o centenário do poeta não pôde ser comemorado em 2020.  A exposição acontece agora no Museu Cais do Sertão de 23 de setembro até 20 de novembro. Data: de 23 de setembro a 20 de novembro Horários: de terça a sexta:  10h às 16h  sábados e domingos: 11h às 17h Ingressos: R$10,00 ( inteira) R$5,00 (meia) Nas terças-feiras a entrada é gratuita.

Semente do Amanhã, Roberto Freitas e Gonzaguinha

Ontem um menino que brincava me falou que hoje é semente do amanhã... Para não ter medo que este tempo vai passar... Não se desespere não, nem pare de sonhar Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs... Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar! Fé na vida Fé no homem, fé no que virá! nós podemos tudo, Nós podemos mais Vamos lá fazer o que será. CD: Grávido (EMI-Odeon 1984) Ouça aqui

Se Ter, Bráulio Bessa

Ir sozinho ao cinema, Visitar uma livraria, Uma cerveja no bar Um café na padaria. Ter você pra você mesmo Também é ter companhia. Nem sempre estar sozinho É sinal de solidão. Vez por outa o mundo chama E a nossa resposta é não Por ter marcado um encontro Com o próprio coração.

Prêmio São Paulo de Literatura 2022 - finalistas

Melhor Romance do Ano Pequena Coreografia do Adeus, de Aline Bei (Companhia das Letras) A Pedriata, de Andréa Del Fuego (Companhia das Letras) Uma Tristeza Infinita , de Antonio Xerxenesky (Companhia das Letras) Degeneração, de Fernando Bonassi (Record) É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém, de Mariana Salomão Carrara (Nós) O Som do Rugido da Onça , de Micheliny Verunschk (Companhia das Letras) A Extinção das Abelhas , de Natalia Borges Polesso (Companhia das Letras) Lili, de Noemi Jaffe (Companhia das Letras) Menino Sem Passado, de Silviano Santiago (Companhia das Letras) Vista Chinesa , de Tatiana Salem Levy (Todavia) Melhor Romance de Estreia O Canto Dela, de Ana Kiffer e Marie-Aude Alia (Editora Patuá) Apague a Luz se for Chorar , de Fabiane Guimarães (Companhia das Letras) O réptil melancólico, de Fábio Horácio-Castro (Editora Record) O Funeral da Baleia, de Lilian Sais (Editora Patuá) Cheia, de Natália Zuccala (Editora Urutau) Terrapreta, de Rita Carelli (Editora 34) Ouro de Moscou...

Conto de Fadas, Florbela Espanca

Eu trago-te nas mãos o esquecimento Das horas más que tens vivido, Amor! E para as tuas chagas o unguento Com que sarei a minha própria dor. Os meus gestos são ondas de Sorrento... Trago no nome as letras de uma flor... Foi dos meus olhos garços que um pintor Tirou a luz para pintar o vento... Dou-te o que tenho: o astro que dormita, O manto dos crepúsculos da tarde, O sol que é d'oiro, a onda que palpita. Dou-te comigo o mundo que Deus fez! - Eu sou Aquela de quem tens saudade, A Princesa do conto: “Era uma vez...”

Minha Próxima Leitura: O Vermelho e o Negro, Stendhal

  O vermelho e o negro , o grande romance de Stendhal, está a meio caminho entre duas estéticas: a romântica e a realista. Ele também reflete o conflito entre duas épocas, simbolizadas pelo vermelho do uniforme de Napoleão, que representa os valores do   lluminismo   e da   revolução francesa , e o negro da bota, que simboliza a restauração dos valores do Antigo Regime. Resumo do livro: O prefeito de Verrières Julien Sorel é o protagonista do romance. É um jovem bonito, filho de um carpinteiro bruto, que recebeu alguma educação e estudou em um seminário. Vive em uma pequena localidade chamada Verrières. Ali pretende iniciar sua ascensão social como preceptor dos filhos do prefeito, o sr. de Rênal, um homem contrário às ideias liberais e, portanto, partidário da restauração da monarquia. O inconformismo de Sorel Logo o protagonista mostra suas ideias e forma de ver o mundo. É impulsivo, apaixonado e rebelde, e não está disposto a ocupar um lugar social que considera i...

Mandacaru, Sim Senhor! Dalinha Catunda

Não dou sombra nem encosto, Mas não vejo defeito em mim. Tenho um verde exuberante. Meu fruto é da cor de carmim. Minha flor esbranquiçada Dignifica qualquer jardim. Dono de uma beleza agreste. No sertão enfeito caminhos. Tenho um caule suculento, Todo bordado de espinhos, Entre pedras broto e cresço Nem com a seca eu definho. Sou um fiel representante Do forte povo nordestino. O verde traduz esperança, Vermelho a grande paixão, De uma gente que tanto adora: Sua terra, seu mundo, seu chão. Os espinhos são as agruras, Do sertanejo tão sofredor. A paz vinda com as chuvas, Represento em minha flor. Ninguém melhor do que eu, O nordestino representou. Fonte: Cordel de Saia Imagem: flor do mandacaru. .

Charge Fofa

 Jean Galvão para Folha de São Paulo em 10.9.22

Morri, poema de Jalal ud-Din Rumi

Morri como mineral, e tornei-me planta. Morri como planta, e surgi como animal. Morri como animal, e sou humano... Por que ter medo? O que perdi ao morrer? Mas de novo vou morrer como humano, para voar com os anjos, abençoado. E mesmo como anjo, terei de morrer. Todos perecem, menos Deus... Quando eu tiver sacrificado a minha alma de anjo, me tornarei o que a mente sequer concebe! Ah! Que eu não exista! Pois a não-existência proclama, como um órgão, que para Ele voltaremos. Tradução: Jorge Pontual Saiba mais sobre o autor

Hino Nacional, explicado pela Prof. Dad Squarisi

O hino nacional é escrito em ordem inversa e tem vocabulário antigo. Sabemos decorado e cantamos de vez em quando.  Mas, como ele seria  se fosse escrito na ordem direta, do jeito que falamos no dia a dia?     Trouxe para o blog a maravilhosa explicação da Prof. Dad Squarisi. Veja a seguir:  Em negrito, aparecem os versos como nós os cantamos. Em seguida, eles vêm em ordem direta. Nos parênteses, o sinônimo dos vocábulos mais difíceis. Vamos lá? Ouviram do Ipiranga as margens plácidas De um povo heroico o brado retumbante, E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, Brilhou no céu da Pátria nesse instante. * As margens plácidas (tranquilas, serenas) do Ipiranga (riacho que fica em São Paulo) ouviram o brado (grito) retumbante (estrondoso) de um povo heroico. E o sol da liberdade, em raios fúlgidos (cintilantes), brilhou no céu da pátria nesse instante. *** Se o penhor dessa igualdade Conseguimos conquistar com braço forte, Em teu seio, ó Liberdade, Desafia o ...