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Um Sapinho Para Cora Coralina


Pesquisadores Felipe Silva de Andrade e Isabelle Aquemi Haga,* descobriram nova espécie de anfíbio num milharal na cidade de Palmeira de Goiás (71km da capital Goiânia)uma nova espécie de anfíbio. Pela localização  o minúsculo sapinho (tamanho varia entre 1,25cm e 1,53cm) e porque os cientistas têm bom gosto, batizaram o bichinho de Pseudopaludicola coracoralinae. Homenageando a poeta Cora Coralina.  
Não foi uma ideia fofa?




Poema do Milho, Cora Coralina

Milho . ..

Punhado plantado nos quintais.
Talhões fechados pelas roças.
Entremeado nas lavouras,
Baliza marcante nas divisas.
Milho verde. Milho seco .
Bem granado, cor de ouro.
Alvo. às vezes vareia,
- espiga roxa, vermelha, salpintada.

Milho virado, maduro, onde o feijão enrama
Milho quebrado, debulhado
na festa das colheitas anuais.

Bandeira de milho levada para os montes
largada pelas roças:
Bandeiras esquecidas na fartura.
Respiga descuidada
dos pássaros e dos bichos.

Milho empaiolado .
abastança tranqüila
do rato,
do caruncho.
do cupim.
Palha de milho para o colchão.
Jogada pelos pastos.
Mascada pelo gado.
Trançada em fundos de cadeiras.

Queimada nas coivaras.
Leve mortalha de cigarros.
Balaio de milho trocado com o vizinho
no tempo da planta.
"- Não se planta, nos sítios, semente da mesma terra".

Ventos rondando, redemoinhando.
Ventos de outubro.

Tempo mudado. Revôo de saúva.
Trovão surdo, tropeiro.
Na vazante do brejo, no lameiro,
o sapo-fole, o sapo-ferreiro, o sapo-cachorro.
Acauã de madrugada
marcando o tempo, chamando chuva.
Roça nova encoivarada,
começo de brotação.
Roça velha destocada.
Palhada batida, riscada de arado.
Barrufo de chuva.
Cheiro de terra; cheiro de mato,
Terra molhada, Terra saroia.
Noite chuvada, relampeada.
Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais.
Observatório: lua virada. Lua pendida . . .
Circo amarelo, distanciado,
marcando chuva.
Calendário, Astronomia do lavrador.

planta de milho na lua-nova.
Sistema velho colonial.
Planta de enxada.
Seis grãos na cova,
quatro na regra, dois de quebra.
Terra arrastada com o pé ,
pisada, incalcada, mode os bichos.

Lanceado certo-cabo-da-enxada..
Vai, vem . . . sobe, desce . . .
terra molhada, terra saroia . . .
Seis grãos na cova; quatro na regra, dois de quebra
Sobe. Desce . , .
Camisa de riscado, calça de mescla
Vai, vem . . .
golpeando a terra, o plantador.

Na sombra da moita,
na volta do toco - o ancorote d'água:

Cavador de milho, que está fazendo?
A que milênios vem você plantando.
Capanga de grãos dourados a tiracolo.
Crente da Terra, Sacerdote da terra.
Pai da terra.
Filho da terra.
Ascendente da terra.
Descendente da terra.
Ele; mesmo; terra.

Planta com fé religiosa.
Planta sozinho, silencioso.
Cava e planta.
Gestos pretéritos, imemoriais..
Oferta remota; patriarcal.
Liturgia milenária.
Ritual de paz.
Em qualquer parte da Terra
um homem estará sempre plantando ,
recriando a Vida.
Recomeçando o Mundo.

Milho plantado; dormindo chão, aconchegados
seis grãos na cova.
Quatro na regra, dois de quebra.
Vida inerte que a terra vai multiplicar

Evém a perseguição:
o bichinho anônimo que espia, pressente.
A formiga-cortadeira - quenquém.
A ratinha do chão, exploradeira.
A rosca vigilante na rodilha,
O passo-preto vagabundo, galhofeiro,
vaiando, sorrindo . . .
aos gritos arrancando, mal aponta.
O cupim clandestino
roendo, minando,
só de ruindade.

E o milho realiza o milagre genético de nascer:
Germina. Vence os inimigos,
Aponta aos milhares.
- Seis grãos na cova.
- Quatro na regra, dois de quebra,
Um canudinho enrolado.
Amarelo-pálido,
frágil, dourado, se levanta.
Cria sustância.
Passa a verde.
Liberta-se. Enraíza,
Abre folhas espaldeiradas.
Encorpa. Encana. Disciplina,
com os poderes de Deus.

Jesus e São João
desceram de noite na roça ,
botaram a bênção no milho,
E veio com eles
uma chuva maneira, criadeira, fininha,
uma chuva velhinha,
de cabelos brancos,
abençoando
a infância do milho.

O mato vem vindo junto,
Sementeira.

As pragas todas, conluiadas.
Carrapicho. Amargoso. Picão.
Marianinha. Caruru-de-espinho.
Pé-de-galinha. Colchão.
Alcança, não alcança.
Competição.
Pac . . . Pac . . . Pac . . .
a enxada canta.
Bota o mato abaixo.
arrasta uma terrinha para o pé da planta.
"...- Carpa bem feita vale por duas . . ."
Quando pode. Quando não... sarobeia.
Chega terra O milho avoa.

Cresce na vista dos olhos.
Aumenta de dia. Pula de noite.
Verde Entonado, disciplinado, sadio.

Agora ...
A lagarta da folha,
lagarta rendeira . . .
Quem é que vê ?
Faz a renda da folha no quieto da noite.
Dorme de dia no olho da planta,
Gorda; Barriguda. Cheia.
Expurgo : . . nada . . . força da lua . . ,
Chovendo acaba - a Deus querê.

" O mio tá bonito ... "
"-Vai sê bão o tempo pras lavoras todas . "
"- O mio tá marcando . . . "
Condieionando o futuro:
"- O roçado de seu Féli tá qui fais gosto ...
Um refrigério "
"- O mio lá tá verde qui chega a star azur..."
- Conversam vizinhos e compadres.

Milho crescendo, garfando,
esporando nas defesas...

Milho embandeirado.
Embalado pelo vento.

"Do chão ao pendão, 60 dias vão".

Passou aguaceiro, pé-de-vento.
" - O milho acamou . . . " "- Perdido?" . . . Nada...
Ele arriba com os poderes de Deus .. . "
E arribou mesmo; garboso, empertigado, vertical

No cenário vegetal
um engraçado boneco de frangalhos
sobreleva, vigilante.
Alegria verde dos periquitos gritadores . . .
Bandos em sequência . . . Evolução . . .
Pouso . . . retrocesso.

Manobras em conjunto.
Desfeita formação.
Roedores grazinando, se fartando,
foliando, vaiando
os ingênuos espantalhos.

"Jesus e São João
andaram de noite passeando na lavoura
e botaram a bênção no milho" .
Fala assim gente de roça e fala certo.
Pois não está lá na taipa do rancho
o quadro deles, passeando dentro dos trigais?
Analogias . . . Coerências.

Milho embandeirado
bonecando em gestação.
- Senhor! . . . Como a roça cheira bem !
Flor de milho, travessa e festiva.
Flor feminina, esvoaçante, faceira.
Flor masculina - lúbrica, desgraciosa.

Bonecas de milho túrgidas,
negaceando, se mostrando vaidosas.
Túnicas, sobretúnicas . . .
saias, sobre-saias . . .
Anáguas . . . camisas verdes.
Cabelos verdes . . .
~Cabeleiras soltas, lavadas, despenteadas. . .
- O milharal é desfile de beleza vegetal.

Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas.
Cabelos prateados, verde-gaio.
Cabelos roxos, lisos, encrespados.
Destrançados.
Cabelos compridos, curtos,
queimados, despenteados .
Xampu de chuvas . . .
Flagrâncias novas no milharal.
- Senhor, como a roça cheira bem! . . .

As bandeiras altaneiras
vão se abrindo em formação.
Pendões ao vento.
Extravasão da libido vegetal.
procissão fálica, pagã.
Um sentido genésico domina o milharal.
Flor masculina erótica, libidinosa,
polinizando, fecundando
a florada adolescente das bonecas:

Boneca de milho, vestida de palha . . .
Sete cenários defendem o grão
Gordas, esguias, delgadas; alongadas
Cheias, fecundadas.
Cabelos soltos excitantes.
Vestidas de palha.


Fonte: Estadão
* Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Campus de Rio Claro e Universidade Federal de Uberlândia - financiados pela Fundação de Amparo ã Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).


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