Todo dia acordo achando que estou morto. Condômino de um limbo com a parcela atrasada, verificando se ainda produzo sombra, se o coração ainda é música, batendo cartão na mesma dúvida: já é luto ou ainda estamos no páreo? E uma das primeiras notícias que ouço é que astronautas não querem mais voltar ao planeta. Levanto-me, dirigindo a carcaça obesa pelos quartos do meu jazigo.
A casa é uma zona zero, uma alfândega, uma sala de espera da polícia federal pré-celestial. Não sei mais a que mundo pertenço. Hoje sou fronteira, hoje sei o que é ser refugiado. Sinto o gosto do sal marinho que salpica para dentro da minha balsa. Lágrimas, náufragos…
Já organizei testamentos distribuindo posses. Posses que me ajudam a estudar meus afetos. Posses definem afetos? Mas as coisas da casa me parecem tão mortas… Coisas podem morrer? Um apartamento, cemitério de objetos.
Tem dias que danço mais, tem dias que rezo mais… Todos os dias como mais, e sonho tanto! Sonho pra rever, as vezes, me despedir de amigos e a todos eu faço a mesma pergunta: eu fui um bom amigo pra você? E alguns me fazem acordar antes de dar uma resposta. É desesperador! Retomo um dos meus exercícios matinais, recordo.
O tempo deve mudar de pele mas pode-se enterrar o passado? O passado foi feito para ser esquecido ou lembrado? Porque nada me é mais presente.
Tenho sido frequentado por muitos de vocês. Se você recebe esse texto é por gratidão a sua visita. Você tem tomado chá comigo, amanhecido ao meu lado, tem sido considerado como um artigo de luxo na estante das saudades. Hoje tem mais saudades que livros na estante.
Estamos mais próximos do que pensamos, na mesma encruzilhada típica de toda guerra entre o extermínio eminente e o desejo de sobreviver para construir algo bem melhor. Estamos mais vizinhos do que nunca, atravessados de humanidade e da certeza que ainda há tanto a se fazer um pelo outro.
Espero não falhar mais contigo. Espero te abraçar em breve.. Porque cheiro faz falta. Perfume faz falta. Batida de coração faz falta. Enxugar lágrima faz falta. VOCÊ FAZ FALTA… mas a ideia da sua pessoa não me abandona. Obrigada por insistir em mim!
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Muito bom, mas tão triste
ResponderExcluirLindo! Pesado, invasivo, taquicárdico, mas afetuoso, emocionante e muito lindo.
ResponderExcluirEmocionante!! Lindo de se ler e refletir.
ResponderExcluirNew, como sempre cirúrgico e emocionante! Saudade gigante! Amo você! 😘
ResponderExcluirTexto maravilhoso e de riqueza de sensibilidade...
ResponderExcluirEmocionante
ResponderExcluir!!!
lindo!😍
ResponderExcluirNewton Moreno, as palavras são áridas e insuficientes para dimensionar tamanha beleza e grandeza poética. ❤
ResponderExcluirNewton Moreno, as palavras são áridas e insuficientes para dimensionar tamanha beleza e grandeza poética.
ResponderExcluirNewton Moreno, as palavras são áridas e insuficientes para dimensionar tamanha beleza e grandeza poética.
ResponderExcluirNewton Moreno, as palavras são áridas e insuficientes para dimensionar tamanha beleza e grandeza poética.
ResponderExcluirLindíssimo! Obrigada
ResponderExcluirMe identifiquei tanto... E também pessoas amadas que sempre seguraram minha mão.
ResponderExcluirConcordo.
ExcluirDe tudo que li, ouvi ou assisti ao longo do período de pandemia, esse texto foi o que mais me tocou.
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