Como é que se abre caminho pela terra virgem coberta de neve? À frente vai um homem, suando e praguejando, mal conseguindo alternar as pernas, o tempo todo atolando os pés na neve fofa e profunda. O homem vai bem à frente, marcando o próprio trajeto com buracos negros irregulares. Ele se cansa, deita na neve, acende um cigarro, e a fumaça da makkorka* estica-se numa nuveninha azul sobre a neve branca e brilhante.O homem já seguiu adiante, mas a nuvenzinha continua ali, onde ele descansou - o ar está praticamente parado. Abre-se caminho sempre em dias calmos, para que os ventos não varram o trabalho humano. O próprio homem determina os pontos de orientação na imensidão da neve: um precipício,uma árvore alta; ele conduz o próprio corpo pela neve como o timoneiro conduz o barco pelo rio, de estuário em estuário.
Pelo rastro das pegadas, estreitas e irregulares, caminham cinco ou seis homens, lado a lado, ombro a ombro. Pisam perto das pegadas, mas não sobre elas. Quando chegam ao local pré-determinado, viram-se e voltam pelo mesmo caminho, para pisotear a terra virgem coberta de neve ali onde nenhum outro homem pisara antes. O caminho está aberto. Por ele podem passar pessoas, comboios de trenós, tratores. Se caminhassem sobre cada uma das pegadas do primeiro, abririam uma trilha visível, mas difícil de ser percorrida, uma senda e não uma estrada, buracos pelos quais seria mais difícil passar do que pela terra virgem. O primeiro cansa mais do que os outros e, quando as suas forças se esgotam, um dos cinco restantes passa à frente. dos que abrem caminho, todos, até o menor, o mais fraco, em algum momento tem de pisotear um pedaço de terra virgem coberta de neve e não pegada alheia. Quem vai de trator e a cavalo não são os escritores, mas sim os leitores.
* Tabaco muito forte e de baixa qualidade (N da T)
Contos de Kolimá vol 1, Chalámov, Varlam, Ed.34 São Paulo, págs.23-24
Leia mais aqui sobre Kolimá, um campo de trabalhos forçados da União Soviética
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