A banca de rapadura era o local
de comércio do próprio marido da agressora. Vinha ela descuidosa,
passando ali por acaso, e de repente depara com o quadro ofensivo: o
marido em idílio público com a dalila, a messalina, a loba do seu lar!
Ela debruçada ao balcão e ele, de dentro, segurava o queixo da sereia e
lhe cochichava no ouvido. O monte de rapaduras estava ao lado. Foi só
passar a mão na rapadura de cima e virá-la de quina, para castigar
mesmo, no pé do ouvido da outra. A agredida se pôs a gritar, com a cara
coberta de sangue, e o infiel asperamente ralhou: “Cala a boca, mulher,
senão aparece a polícia”.
Mas avisou tarde,
porque a polícia já vinha na pessoa de um cabo a quem o idílio adúltero
também repugnara, pois de há muito que ele, cabo, suspirava pelos
favores da destruidora de lares. Debalde lhe fizera serenatas, com uma
radiola cheia de discos do Roberto Carlos; e ela até lhe atirara um
sapato pela janela, certa vez em que ele encostara a máquina cantante à
rótula, tocando aquela música em que RC declara à amada : “Você vai
aprender a ser gente!”
- Quem vai aprender é a mãe, gritara a Julieta ofendida.
Mas
o cabo apanhou o pé de sapato como se fosse o chapim da Borralheira,
foi na loja do Geraldo e escolheu a sandalinha mais mimosa que tinha lá,
com tiras prateadas e flor de contas no peito do pé. Entregou-a com um
bilhete: “Recebi a medida e lhe mando a encomenda”.
A
bela pagou com um sorriso. Mas continuou com o homem das rapaduras, que
tinha o que gastar com ela. Cabo arranchado mal ganha para o cigarro.
Agora porém tinha o cabo a sua oportunidade. Mandou a amada para o Samdu, num jipe, e bradou esteje preso para os mais.
O
delegado, naturalmente, punia pelos direitos de família legítima; e ia
passando ao marido, para encerrar perfunctoriamente o caso, quando de
súbito aparece a sogra, avisada às pressas. Da rua, a velha vinha
gritando. Já sabia que aquilo ia acabar mal, minha filha está farta de
sofrer, o sem vergonha do marido não tem rapariga na rua do Baturité que
ele não gaste com ela, minha filha devia mesmo era ter lascado a cabeça
da vagabunda. E ele ainda bate na pobrezinha, bate de correia, a
vizinhança toda sabe!
Aí a mulher do marido
interrompeu agastada: “Minha mãe cale sua boca, que o caso é outro.
Ninguém está querendo saber se ele me bate. E se bate, bate no que é
dele”.
A sogra engasgou-se com a ingratidão.
Desengasgando ia gritando “mal agradecida!”, mas nesse ínterim o
delegado se levantara e pedira silêncio. E explicou que o adultério é a
peçonha dos lares; embora fosse errado apelar para a violência
compreendia-se que a senhora no desvario da privação de sentidos e
inteligência, agredisse a rival. Mas afinal não houvera morte, nem
queixa registrada, o sangue era pouco, cada um fosse para casa e não
pecasse mais. Falou, estava falado.
O cabo
correu ao Samdu, onde lhe foi fácil fazer entender à pecadora que não há
como a proteção das armas para uma frágil dama delicada.
O
marido infiel levou a mulher para casa - conta a vizinhança que lhe deu
uma surra para ela deixar de ser valente. E depois foram muito felizes.
Elenco de Cronistas Modernos Ed. 1974 - págs.97-99
Texto maravilhoso,valorizando nossa cultura 👏👏👏
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