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Mostrando postagens de maio, 2017

Pé, Fraga

     Segundo reza a lenda sem pé nem cabeça, o Homem começou a sua evolução com o pé direito.      No início era uma dúzia de pés-rapados, mas logo se organizaram socialmente em das castas: os pés-de-boi e os pés-quentes. Aos primeiros cabia não arredar pé do pé-de-pilão; aos segundos, cuidar do pé-de-meia.       Cada grupo cumpria ao pé da letra a sua tarefa. Afinal, o lucro era dividido em pé de igualdade. Não havia  ódios e todos faziam pé firme no regime.       A sociedade cresceu, porque dava pé. E evoluiu: inventaram o pedal (depois, a roda); o pé-de-moleque revolucionou a culinária; encontraram a cura pro pé-de-atleta; apareceram as ciências (Pediatria, para tratar dos pezinhos dos nenês, e Pedagogia, para educar do pé-de-chumbo ao pé-de-porco); nas letras, fizeram sucesso os versos de pé-quebrado; construiram-se os famosos jardins suspensos dos igarapés; o Homem sonhava com o futuro, ao pé do fogo.      Enquanto isso, os outros povos nem chegavam aos pés desses bon

Segunda-feira poetica: Seis Quadrinhas Avulsas, Fraga

I Poeminha quando nasce esparrama pelo autor Menininha quando dorme acorda Morfeu pro amor. II "Amai-vos uns aos outros" é meu mandamento lapidar Mas aviso aos seguidores: só nas lápides é bom usar.  III Quem dá provas de caráter caráter não tem pra vencer. Mas se vender essas provas caráter de ricaço vai ter IV Sou amante da Boa Vida, da Natureza e da Santa Paz. As três sempre me dizem que como eu não fazem mais. V Pelo que conseguimos ver, o futuro será um talo pois castigo e presidente vieram num mesmo cavalo. VI Ah, senhores sérios e sisudos que se fecham para balanço: por que não imitam os poetas, que se abrem para o descanso? In: Punidos Venceremos, pag.29, Ed.Codecri, Rio de Janeiro 1981

Quarta-feira é dia de: Eu Nunca Vou Te Deixar, Pedro Bandeira

      Fazia frio naquela noite. Muito frio.      Debaixo de um viaduto qualquer, num cantinho mais escuro, Beto e Vô Manduca aconchegavam-se em meio ao monte de papelões que os dois haviam empilhado dentro da carrocinha, depois de todo um dia a empurrá-la pelos quarteirões dos depósitos e dos armazéns, o melhor lugar para encontrar boas pilhas de papelão.      Logo que amanhecesse, aquilo tudo seria vendido a alguma fábrica de papel e eles teriam dinheiro para sobreviver por mais um dia. Mais um dia para empurrar novamente a carrocinha, catando mais papelão para vender e sobreviver por mais um dia, para catar mais papel...      No meio do papelão amontoado na carrocinha, o frio quase não penetrava, e Beto começou a adormecer, ouvindo os mesmos sons de todas as noites, o barulho dos carros que passavam, o tempo todo, ao lado e em cima do viaduto sob o qual estava estacionada a carrocinha.      Em noites como aquela, costumava haver mais um hóspede dentro da carrocinha: um ga

Estampas Eucalol, Hélio Contreiras

Montado no meu cavalo Libertava prometeu Toureava o minotauro Era amigo de Teseu Viajava o mundo inteiro Nas estampas Eucalol A sombra de um abacateiro Ícaro fugia do sol. Subia o monte Olimpo Ribanceira lá do quintal Mergulhava até netuno No oceano abissal São Jorge ia pra lua Lutar contra o dragão São Jorge quase morria Mas eu lhe dava a mão E voltava trazendo a moça Com quem ia me casar Era minha professora Que roubei do Rei Lear. Add a playlist TamanhoAA Cifra Impri Corrigir

Segunda-feira poética: Palavras Para Minha Mãe, José Luis Peixoto

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente. pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente. às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz. lê isto: mãe, amo-te. eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes. José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Dia das Mães: Vó Eduarda, Marcius Malhem

Neste dia das mães eu quero falar sobre a mãe da mãe da minha mãe - também conhecida como minha bisavó. Para mim, vó Eduarda.      Ela morreu quando eu tinha 16 anos , em 1988. Até meus 8 anos eu dormia muito na casa dela. Tempo suficiente para que a vpz com sotaque daquela velhinha portuguesa que cheirava a leite de Rosas nunca mais  saísse de minha memória.      Lembro também, do Toddy gelado pela manhã, da farofa de ovos no almoço e do caqui no lanche.      Ela chamava rabanada de "orelha de português", e me ajudava a pegar romã no pé com um bambu.      Vovó era diabética  e se aplicava injeções de insulina mais de uma vez ao dia, na veia, amarrando o próprio braço. Antes ela fazia um teste para ver o nível de glicose, que consistia em urinar num tubo e pingar um reagente. Decorei que, se o líquido ficasse azul, da cor dos olhos dela, estava tudo bem.      O dia mais importante do ano para ela não era seu aniversário, mas o 13 de maio, dia de Nossa Senhora de

Crônicas da MPB: Resignação, Luiz Carlos Paraná

Não, não foi surpresa para mim o que se deu Foi tão natural saber Que o nosso amor morreu Não foi nada menos, nada mais do que esperei Pois tudo na vida que eu não vi, imaginei Já é difícil para mim perder a paz E não é fácil eu chorar ou mesmo rir Meu coração não bate à toa, nem demais Já vi chegar o tanto quanto vi partir Fizeste mal, mas só depois de tanto bem Não é preciso que de mim se tenha dó Quando chegaste eu já sabia ter alguém Quando partiste eu já sabia viver só. Luiz Carlos Paraná

Quarta-feira é dia de: O Homem do Patchuli, Marcos Rodrigues

       O Barbosa sempre teve algum sucesso com mulheres. Não por beleza, cabeça ou dinheiro, mas por gostar de dançar, o que é muito raro entre homens. No Clube Piratininga, ele sempre dança com uma, depois com outra e mais outra e assim vai noite adentro. No fim da noite, dançou com uma fieira delas, nunca de mesas próximas. Além de dançar bem, ele conduz bem e elas, assim, dançam melhor. Sentem-se melhor. Ele vai sem carro e sempre acaba pegando carona com alguma delas.  É esse seu jeito discreto de ser.      No final de 2009, o Barbosa foi para a Chapada dos Veadeiros em caminhada com amigos de Brasília. Passou a noite do Ano Novo em Alto Paraíso, vendo estrelas e esperando extraterrestres, muito comuns na região. Na volta, em Cristalina, topou com um viveiro de plantas à beira da estrada e encostou a picape. Ele sempre traz umas novidades de suas viagens.        Foi andando em meio às mudas e se interessou por um arbustinho sem vergonha. A dona do viveiro, u

Segunda-feira poética: Andar a Esmo, Sentir a Vida. José Antônio Pajeú

A esmo, caminhando pela Rua, Percorri, canto a outro, a Imensidão. O Imenso clarão da Bela Lua, Derramando Luz e Cores pelo chão. O cheiro denso da Brisa que flutua, A roçar no meu rosto em Efusão. O Barulho do Silêncio, eu só, a Rua, O Intenso desejo da Paixão. Tendo a vida, como Guia e Sentinela, A levar-me pelas vias da razão. A mostrar que a IMENSIDÃO é tão singela, E que ela, a vida, é tão, tão bela, Que vivê-la e sentir-se dentro dela, Nos faz ver, que é bela, até, a SOLIDÃO. Salve Jorge!

O Polígamo, Tahar Ben Jelloun

      Minha primeira mulher foi minha mãe quem me deu, Eu ainda era criança quando desposei a filha de minha mãe. Achava sua beleza natural, evidente, nas difícil de definir. Levei tempo para descobrir que eu não era seu único amante.      Minha segunda mulher eu encontrei sozinho, ou quase. Ela me foi oferecida, mas era preciso seduzi-la, brincar com ela e envolvê-la para a merecer e conservar.  Apliquei-mea isso com batante energia.      Agora que cheguei aos quarenta, convivo bem com uma e outra. Minhas duas mulheres não se entendem. Há um problema de comunicação. Elas são obrigadas a passar por mim para se falarem e até para brigar.      Tenho preferência pela segunda, porque ela é estrangeira à tribo, e me ensinaram a ser cortês e hospitaleiro com os estrangeiros, particularmente comas estrangeiras. Minha cortesia não passa de aparência. Na verdade, sou violento. Gosto de dobrar essa estrangeira. Mas devo confessar que, muitas vezes, ela é quem leva a melhor. Ela me dom