Imagem: Martha Barros. |
O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no
chão que nem uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o
pente. O chão teria comido logo um pouco de seus dentes. Camadas de
areia e formigas roeram seu organismo. Se é que um pente tem organismo.
O fato é que o pente estava sem costela. Não se poderia mais
dizer se aquela coisa fora um pente ou um leque. As cores a chifre de
que fora feito o pente deram lugar a um esverdeado musgo. Acho que os
bichos do lugar mijavam muito naquele desobjeto. O fato é que o pente
perdera sua personalidade. Estava encostado às raízes de uma árvore e
não servia mais nem pra pentear macaco. O menino que era esquerdo e
tinha cacoete pra poeta, justamente ele enxergara o pente naquele estado
terminal. E o menino deu pra imaginar que o pente, naquele estado, já
estaria incorporado à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho
que as árvores colaboravam na solidão daquele pente.
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