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Os Olhos Dela, Artur Louback

O célebre escritor Jorge Luis Borges - O Machado de Assis argentino - tem um conto meio maluco no qual conta a história de um personagem que, revirando o porão de um antigo casarão em Buenos Aires, é surpreendido por algo mágico: a revelação de um ponto que reúne todas as coisas do universo!
Chama esse ponto de "O Aleph" e dedica-se, com graça e poesia, a descrever o que o personagem vê através dele. 
     Devo confessar que, ao ler o conto, a minha primeira reação foi questionar a parte prática da história. Da mesma forma que nunca consegui entender como o cabelo de Rapunzel crescia tanto ( o meu só cresce 12 cm por ano!), ao descobrir o tal Aleph, pensei na hora: "Mas como é isso? Um buraco na parede com um filminho passando? Um holograma projetado na poeira?". Corri para o São Google e me deram a dica: esquece a parte prática e embarca na viagem - afinal, o cara é o Maradona da literatura e, portanto, sabe o que faz.
     Pois bem, livre das amarras da realidade, mergulhei no plano das ideias e consegui imaginar esse lugarzinho onde caberiam todas as coisas do mundo. Algo para bater o olho (tipo um filminho, vá lá) e dali ver saltar o passado, o presente e o futuro em uma sequência alucinante de imagens, sensações, lembranças, enfim... tudo ali.
     Aí, após alguns minutos de total liberdade,  a vida prática voltou a bater à porta: " Se existe um lugar mágico como esse, onde está  o meu? Onde é que posso contemplar a minha história e as minhas verdades?"
     Na falta de um porão em casa, olhei dentro dos armários, no fundo das gavetas, e nada.Banheiros, área de serviço, despensa... nem cheiro de Aleph. Olhei então para dentro de mim (uau, que viagem!) e ali encontrei um monte de mim. Opa! Mas, olhando melhor, faltava um tanto para ser assim... um Aleph, entende? Faltava o futuro, os lugares onde nunca estive, as surpresas e tudo o que eu ainda não sei que existe em mim. Segui procurando. Olhei em volta e, de repente, um alumbramento: olha ele ali! O meu Aleph, Onde? Você não vai acreditar.
Não é que o filminho(!) rodava feito um cineminha em miniatura bem ns olhos de Roberta, minha esposa, há tantos anos ali, tão próxima, tão disponível, tão tranquila e favorável quanto uma tarde em Itapoã. E eis que , em um rompante, à sombra do poeta imortal, ela olha nos meus olhos e me dou conta de que meu universo está em cartaz. Sessão exclusiva. Minhas verdades, meus sonhos,meu futuro,minha ética, projetados em um belo par de lentes negras, brilhanttes, feito turmalinas polidas no esmeril.
     Quem mais do que ela podia me dizer quem eu sou? Desde que a conheci, afinal, é quem destila a seiva da minha felicidade. Recebe medo, devolve apoio. Recebe dúvida, devolve segurança. Recebe certeza, devolve "Veja bem..." . Preciso dela para avaliar minhas suspeitas do que sou, resignificar o que eu fui e arquitetar o que seremos daqui em diante, para sempre (espero!).
     Há tantas formas de descrever o amor... mas, para mim, o sentimento que vale é esse misto de confiança e admiração que nos permite, com toda sinceridade, querer se ver projetado pelos olhos do outro. Soa um pouco egoísta né?! Mas quando esse sentimento é recíproco, aí a troca é generosa, mágica e o amor dura. Pensei nisso quando Cláudia, nossa diretora de arte, mostrou , emocionada, as fotos dos longevos casais que entrevistamos para a reportagem da página 12. Eles também viram Aleph e, assim como eu, se orgulham de contar.  

Texto transcrito da Revista Todos. Edição Abril/Maio 2016. Editora Mol.

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