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Enquanto a Fliporto não começa.

Rápida entrevista com Miguel Souza Tavares, escritor português que estará na Fliporto deste ano, aqui em Olinda.


Pergunta: Equador é seu melhor livro ou vale aquela ideia de que o melhor livro de um autor ele ainda está a escrever ou vai fazê-lo?

Resposta: Percebo que digam que Equador é o meu melhor livro, pois a trama e a
narrativa são de fácil adesão: é que se costuma chamar um “pageturner”, mas, sendo o meu primeiro romance, seria difícil que eu próprio o considerasse o melhor, visto que, obviamente, fui melhorando a escrita com os livros seguintes – ou, pelo menos, é o que eu penso. Costumo dizer que o meu melhor livro é um livro infantil chamado Ismael e Chopin, que é um grande esforço de uma narrativa capaz de atrais crianças e contar-lhes uma história que dê que pensar. Mas, não sendo um romance, nunca é chamado à comparação – assim como um livro a que chamei “um quase romance”, de 90 páginas, com o título No teu deserto (ambos editados no Brasil). Esse é, seguramente, o mais poético. Mas também devo dizer que, 12 anos depois, olhando para o Equador não o acho um livro envelhecido e que eu não escreveria hoje. O meu próximo livro, em cuja escrita me arrasto penosamente, há-de ser, espero, o melhor de todos.


Pergunta: Existe ainda preconceito em Portugal, como em outros países, quanto a jornalistas que também são romancistas?

Reposta: Sim, esse preconceito existia muito, e com alguma razão, na época em que eu publiquei o Equador. Hoje em dia, talvez menos, porque, de fato, as duas atividades têm cada vez mais zonas de sobreposição: há reportagens, por exemplo, que têm muito de escrita literária e há romances que seguem uma estrutura narrativa típica do jornalismo.


Pergunta: O que mais lhe dá gosto no Brasil, e o que mais desgosta?

Resposta: O que eu mais gosto no Brasil é da alegria. Uma alegria contagiante e presente em tudo: na língua, na paisagem, nas conversas, nas praias, na música, na arquitetura, na literatura.
Decerto que os brasileiros, como todos os outros povos, também sofrem, mas não é um sofrimento como o nosso, por exemplo, que é feito de fado, saudade e choradinho. O que eu menos gosto no Brasil é do desgoverno, da desorganização, das facilidades que se prometem e que nunca são cumpridas. Da sensação de que o Brasil é um país eternamente adiado, onde se espera o milagre de ver tudo resolvido de uma vez, em lugar de pôr mãos à obra no trabalho de sapa de ir resolvendo os problemas, um a um.

(Fonte: www.fliporto.net)

 

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