Taquicardia, suor frio, ansiedade
e princípio de gagueira. Esses seriam sintomas suficientes para levar você a
procurar um médico, mas nem sempre é assim que acontece. Em uma lógica invertida,
pode ser que esses sintomas apareçam justamente porque você está procurando um
profissional de saúde.
Não vou fazer aqui comparações
entre atendimento privado e público, porque isso não seria jogar limpo. Se em
um a situação está ruim, no outro, ela beira a calamidade pública. Considerando
que você é um cidadão que gasta seu suado dinheiro em um plano de saúde e
planeja fazer o check-up anual, então se prepare, pois está prestes a enfrentar
a Via Crúcis do sistema de saúde.
Chargista: Amarildo |
Mas, na verdade, essa alma santa
que te atendeu é um lobo transvestido de lebre. Aquelas atendentes bem
vestidas, de maquiagem e cabelos feitos, compõem uma classe dúbia, a prova de
que as aparências enganam. Com ares superiores, elas te atendem como bem lhes
convém, pois no mercado da procura e da oferta, você, sinto dizer, sai
perdendo.
E a perigosa pergunta, aquela que
põe em definitivo o tipo de atendimento que você receberá: “é privado ou
plano?”. Depois dela, tenha certeza que as palpitações começarão a aparecer.
Mas você é uma pessoa sortuda,
pois já conseguiu ser atendido e a atendente, depois de alguns muxoxos de
desagrado audíveis pelo telefone, marcou sua consulta para daqui a três meses,
já que seu plano, apesar de caro, é muito concorrido. Por algum tempo você
esquece o estresse de ir ao médico, até que a data vai se aproximando. E com
ela, a perspectiva da temível sala de espera.
Naquela sala branca, sob o olhar indiferente
de uma atendente empoleirada por trás do balcão, é preciso desencavar suas
habilidades de escoteiro. Durante as longas horas que se seguirão antes que seja
chamado, será preciso se munir de água, casaco, barra de cereal e um livro para
enganar o tédio. Depois das primeiras duas horas, comece a entoar alguns
mantras budistas para incorporar o espírito da paciência. Os demais pacientes na
sala de espera te lançarão olhares de reprovação, mas isso não é exatamente um perigo,
eles estão apenas com inveja da sua preparação.
Enfim, o médico te chama. Lá está
ele, ou ela, uma pessoa tão distante e disputada que você sente necessidade de
chamá-lo de doutor ou de doutora a todo momento. Mas essa reverência é em
vão. O médico olha brevemente para você
e depois desvia toda a atenção para uma ficha interminável, que ocupa 2/3 do
atendimento. Então começa o bombardeio: “Tem histórico de diabetes na sua
família? Pressão alta? Colesterol alto? Alguma alergia?”, e antes que você lembre
se aquela tia distante sofria de algum desses males, ou na verdade era
Parkinson, ou quem sabe Alzheimer, a consulta já está em outra etapa.
O outro 1/3 da consulta é
dedicado a algumas ordens que você executa sem questionar. “Suba na maca”,
“Levante um pouco a camiseta”, “Respire fundo três vezes”, “Estenda o braço”, frases
que, em outro contexto, pareceriam sugestivas. Depois disso, mudez completa, e
dá-lhe mais ficha para preencher.
No silêncio sepulcral do
consultório, você reflete: “será que devo falar algo”? Antes que pense em
acrescentar ao monólogo aquele episódio em que engoliu uma faca de manteiga sem
querer, o atendimento é finalizado com mais ordens de exames, e tudo acaba em
um breve acenar de cabeça. Maldita ficha!
A espera e a preparação são
recompensadas com mais exames, mais salas de espera, mais consultas com robôs,
quer dizer, médicos. É ai que os sintomas aparecem de
verdade. Taquicardia, suor frio, ansiedade e princípio de gagueira. O
diagnóstico da doença? Você foi ao médico.
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