Últimos preparativos antes de sair. No
corredor para a porta de sua casa, Jorge deu uma última olhada no espelho. Vai ser um encontro tranquilo, pensou
pela nonagésima vez. Apenas mais uma
ocasião para jogar conversa pro ar e relembrar bons momentos. Sua mente
trabalhava para pensar desse jeito, mas o suor em suas mãos indicava um alerta
biológico mais antigo, incompatível com o pensamento. Encurralado, foi a palavra que surgiu em alguma zona primitiva e
instintiva da sua mente, longe do olhar acusador da razão.
Após olhar mais uma vez para o relógio, a
terceira em um curto espaço de tempo, a ficha caiu e o cérebro de Jorge,
esgotado pelo dilema, se deu por vencido. Não, não seria um momento saudosista,
de troca de amenidades.Seria o encontro de turma do colégio.
Passaram-se anos após o fim dos estudos.
Cada um seguiu seu caminho, ocasionalmente cruzado por um evento de maior
significado, como aniversário, carnaval ou casamento. Os telefonemas e as
visitas começaram a rarear, e aquela amizade, antes alimentada na rotina das
aulas, transformou-se em um contato distante e, por que não dizer, conveniente.
Os minutos se passam, mas Jorge não deu
nem um passo à frente naquele corredor. Seu olhar recai automaticamente no
relógio, o que o deixa aborrecido. O que seu inconsciente quer dizer, mas ele
não quer admitir, é que essas olhadas ansiosas para o relógio prateado em seu
braço significam um desejo insano de fazer voltar o tempo. Jorge gostaria que, por
mágica, só com seu olhar concentrado, aqueles ponteiros retrocedessem para alguns
dias atrás, quando recebeu o convite para o tal encontro. A resposta poderia
ser diferente. Ah, não vai dar, já tenho
outro compromisso, diria ele então. Pena que momentos de lucidez só chegam
depois de as pessoas tomarem alguma decisão equivocada. E pena também que ainda
não inventaram uma máquina do tempo. Conformado, Jorge abriu a porta para
enfrentar o destino à frente.
Antes de chegar ao local de encontro, Jorge
avistou pela janela do carro uma ex-colega sua, Júlia, estacionando nas
proximidades. Enquanto manobrava o seu próprio carro, lembrou-se do que soube
da vida de Júlia. Ela casou com outro ex-colega seu, Davi, e ambos se tornaram
advogados respeitados pela sociedade, com um escritório próprio. Porém, nos
bastidores, fofocas venenosas apontavam para um casamento em ruínas, sustentado
apenas pelo desejo mútuo de manter a estabilidade nos negócios.
Claro, durante o encontro de turma eles
posariam como o casal perfeito, ricos e bem-sucedidos. Aquilo provocou um nó na
garganta de Jorge, como se tivesse ingerido um bocado de comida compacta e
grudenta sem nenhum copo de água por perto. Aquele encontro não tinha nada de
saudosismo – estava mais para uma sessão infernal em que se mede o suposto nível
de sucesso dos outros.
A sensação desagradável estava passando
dos limites. Jorge não entendia o que diabos ia fazer naquele encontro com
pessoas que não tinham mais nada a ver com ele. Listou na mente suas conquistas
ao logos dos últimos anos. Aos olhos de uma pessoa comum, não parecem grande
coisa. Mas, para ele, todas são degraus para um sonho maior, mas, ao que
parece, isso é visível somente a ele e a seu novo círculo de amizades.
Parado no escuro do carro já
estacionado, ele engatou um monólogo enraivecido: Não quero argumentar meu estilo de vida, justificar a rentabilidade dos
meus sonhos, convencê-los de que sou feliz com as decisões que tomei, como sei
que precisarei fazer. E se eu disser que não tenho planos para o que a
sociedade valida como certo, como casamento, filhos ou a estabilidade de um
concurso público, mereço respeito pela minha opinião, como sei que não terei,
pensou.
Mas pensamentos não são ações, e ele já
estava ali, e Júlia o reconheceu pelo vidro do carro. Estavam esperando por
ele. À porta do ponto de encontro, Jorge encaixou na boca seu melhor sorriso,
acenando para os carrascos parados logo à frente. Não sem antes lançar
furtivamente um último olhar para o relógio. Vai que dessa vez a mágica
funciona.
Imagens do google
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