... " Fui à praia depois do jantar. Não havia ninguém. Estrelas brilhavam na límpida imensidão do firmamento. Consegui distinguir o Cruzeiro do Sul, e Vênus, a quem os antigos chamavam de Lúcifer, a que carrega a luz. Despi-me e entrei n mar - a água era lisa e tépida - com a sensação de que mergulhava na própria noite. No século XIII escrevia-se noyte. Digamos então que eu me senti mergulhar na noyte, sugado pelo seu vórtice escuro, e que fechei os olhos e quando os reabri vi as estrelas a girar ao meu redor. Movia os braços e cada movimento parecia gerar um tumulto de estrelas. Conheço pessoas que passaram por esta experiência e entraram em pânico. Outras em êxtase. Muitas falam em embriaguez, a maioria em sonho. O fenómeno é provocado por um pequeno organismo unicelular, a noctiluca, capaz de emitir luminescência, e chama-se ardência marítima ou, no sul de Portugal, agualusa. Fiquei muito tempo no mar, divertindo-me, como um pequeno Deus inclemente, a criar e desfazer constelações. Dei-me conta, ao sair, que havia uma esguia sombra de mulher estendida na cadeira ao lado da qual eu deixara a roupa. Reconheci-a assim que me aproximei: a Bailarina. Vestia um biquíni preto, reduzido, com aplicações de miçangas, ou outro material semelhante, que pareciam cintilar, vagamente, como pirilampos, sobre a pele escura. Sentei-me a seu lado, em silêncio e dessa vez foi ela quem falou primeiro.
- Leve os sonhos a sério - sussurrou - Nada é tão verdadeiro que não mereça ser inventado."
(Em As mulheres do meu pai, José Eduardo Agualusa. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2012)
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