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Fui Mirar-me, Cecília Meireles



Fui mirar-me num espelho
e era meia-noite em ponto.
Caiu-me o cristal das mãos
como as lembranças do sono.
Partiu-se o meu rosto em chispas
como as estrelas num poço.
Partiu-se meu rosto em cismas
- que era meia-noite em ponto.

Dizei-me se é morte certa,
que me deito e me componho,
fecho os olhos, cruzo os dedos
sobre o coração tão louco.
E digo às nuvens dos anjos:
"Ide-vos pelo céu todo,
avisai a quem me amava
que aqui docemente morro.

"Pedi que fiquem amando
meu coração silencioso
e a música dos meus dedos
tecida em tanto sonho.

"De volta, achareis minha alma
tranquila de estar sem corpo.
rebanhos de amor eterno
passarão pelo meu rosto."

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