A bibliotecária conheceu o jornalista estrangeiro na internet. Mas só bem depois, em conta-gotas, soube que ele era aposentado e viúvo. Com indizível acanhamento, o tal também quis conhecê-la. “Sou divorciada, tenho filhos que me deram netos e me aposentarei o ano que vem para visitar o mundo, inclusive seu país”, disse a fórceps a retraída. Decorrido uns meses, os dois trocaram fotos e o viúvo, mais à vontade, revelou que publicara um romance e um livro de ensaios. As obras foram remetidas ao acervo da biblioteca onde a divorciada trabalha. E ela, sem dificuldade para ler em espanhol, devorou os livros de um fôlego e com enorme prazer.
Mais adiante, o estrangeiro disse que escrevera alguns contos para em breve editá-los. E como exemplo enviou um deles por e-mail, pedindo que ela opinasse sobre a qualidade literária. O texto narra que um homem e uma mulher se conhecem jogando cartas e que, surrealmente insuflados por valetes, damas e reis do baralho, tornam-se amantes para viver um caso erótico – mas não pornograficamente apelativo –, desfecho que muito excitou a bibliotecária. Tanto que, vez por outra, ela a sós se imagina num carteado com o contista e na fantasia antevê que ele igualmente a queira, concluindo daí sua ardente e inadiável disposição em amá-lo.
Visando esse intento não expresso entre eles, o escritor veio ao Brasil para ficar uma semana na cidade em que ela mora. Aqui, a bibliotecária lhe reservou hotel e se permitiu planejar o melhor aproveitamento da estada do visitante estrangeiro. Contudo, no curso dos encontros, a partir dos olhares trocados ambos se viram atraídos, mas rigorosamente nenhum tomando a iniciativa de se declarar apaixonado ou algo que o valha.
Assim os dois ficaram até o dia em que ele partiu. No aeroporto, quando do embarque, ela enrubescida se encheu de coragem e quis saber se podia esperá-lo. A duras penas, o outro sussurrou como um alívio: “Não descarto a ideia. Mas antes quero vê-la na minha cidade. Se lhe interessa, saiba que lá você dispõe por completo de mim e da minha casa, onde quero hospedá-la para sempre.” Nisso, embaraçada com o que ouviu, a brasileira balbuciou um vago e reticente quem sabe. Ato contínuo, ao invés do beijo na boca que cada um ansiava, o solene e formal aperto de mão de despedida fez a timidez anular esse amor de terceira idade.
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