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A Passeata do Endireita Já, José Teles



Eu fui à passeata do "Endireita Já". Quer dizer, enquanto ela ia, eu vinha. Sei que tá confuso, minha senhora. Tipo assim. O pessoal voltava de onde terminou a passeata, enquanto eu ia, no sentido contrário, à caça de um táxi ou busão. Ainda procurei abrigo na Mamede Simões, mas parte dos bares fechou e os outros ficaram entupidos de manifestantes. Parafraseando Drummond, quando nasci um anjo torto, destes que vivem na praia, levando o maior sol disse: "Vai, Zé, ser gauche na vida". Pra que os que querem um Brasil melhor não considerassem que eu, por trafegar no sentido inverso ao deles, estivesse a fim de um Brasil pior, afastei-me da turba. Arrisquei um táxi ali perto da Praça Maciel Pinheiro.


     Não tinha táxi. Talvez porque a Praça Maciel Pinheiro seja muito famosa entre o pessoal do Facebook. Clarice Lispector morou ali perto. Clarice é um dos nomes mais citados, comentados e transcritos no Facebook. Tem perdido ultimamente pra aquele deputado que meteu o pau nos gays (no sentido lato, minha senhora, lato). Mas tergiverso. Não encontrei táxi na Maciel Pinheiro e enveredei pela Imperatriz, num desses acessos de insensatez   que nos assoma vez por outra. A rua tava à luz difusa do abajur lilás. Eufemismo pra o maior breu. Fora o que vos tecla, por lá só o pessoal que não atendeu o chamado de "vem pra rua" porque já vive nela. Meu objetivo era pegar um TX na Rua da Aurora.
     Quando pus o pé na rua, ví um táxi. Um sujeito que vinha na Ponte da Boa Vista também viu e quebrou o recorde dos cem metros rasos, pra alcançar o carro antes de mim. Chegou primeiro e ainda me olhou com uma risadinha cretina. Caminhando cantando segui pela ponte de ferro, também no maior breu. Coração na mão. Se não  fui assaltado naquela noite, não vou ser mais nunca. Foi-se a ponte, soltei um suspiro, e entrei na Rua Nova, igualmente deserta. Acho que nem a  famosa emparedada tinha ficado por lá. Esta pelo menos estava iluminada. Imaginei que no final da Nova encontrasse um táxi ou ônibus. Mal encontrei gente. Arrisquei até o Pátio de São Pedro, ali nunca faltou táxi. Naquele dia faltou até bar aberto.
     Fui ficando com mais raiva do governo do que os manifestantes. Não fosse o desmantelo deles, o pessoal não teria vindo pra rua e eu não taria perambulando por elas, arriscado a perder meu recorde. O de único cidadão do Recife que nunca foi assaltado. Um feito que já merecia pelo menos uma medalha de honra ao mérito e uma reportagem naquele programa de Regina Casé, o Sou pobre, mas sou limpinho. Quando adentrei a Nossa Senhora do Carmo pensei cá comigo: agora não escapo. Lá no fim da rua um sujeito tava parado. Obviamente esperando eu me aproximar pra aumentar o percentual da violência urbana da capital. Mas não, o cara era meio alesado. Meio, não. Alesado todo. Me disse que achou um cartão e quis me dar o bicho. Era um VEM*. Agradeci o VEM. Eu preferia ir, com perdão do trocadilho, e fui. Finalmente um táxi. Só faltou um "The end" pra celebrar o final feliz. ( Jornal do Commercio 30.06.13)


O autor, por ele mesmo:
Como quase todo pernambucano, nasceu na Paraíba(Campina Grande) Começou no jornalismo, em 1980, no extinto Correio de Pernambuco, onde passou apenas três meses, vindo em seguida para o Jornal do Commércio.                                    Foi repórter esportivo até 1984. Depois de um tempo fora da grande imprensa, escrevendo no Pasquim, no jornal de humor O Papa-Figo (fundado por ele, Ral e Bione em 1984), voltou ao JC em 1987, como crítico musical, função que exerce até hoje. Em 1992, passou a escrever uma cronica semanal, na coluna Curto e Grosso, Teles também é escritor.


Livros de Jose Teles:

Siri na Lata - 30 anos de Anarquia, Folia e Negocio$ (esgotado)
Eu e Meu Ray-Ban Uma Viagem
La Vem Os Violados
Do Frevo ao Manguebeat

O autor tem  diversos livros infanto-juvenis que podem ser encontrados em livrarias ou em sebos.


* VEM - cartao de acesso ao transporte publico da regiao metropolitana do Recife.

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