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Flores, poema de Adélia Prado


A boa-noite floriu suas flores grandes,
parecendo saia branca.
Se eu tocasse um piano elas dançavam.
Fica tão bom o mundo assim com elas,
que nem me desprezo por querer marido.
Perfumam a noite.
A gaita de um menino que nunca morre
toca erradinho e doce.
Eu cumpro alegremente minhas obrigações paroquiais
e não canso de esperar;
mais hoje; mais amanhã, qualquer coisa esplêndida acontece:
as cinco chagas, o disco voador,o poeta com seu cavalo
relinchando na minha porta.
Desejava tanto tomar bênção de pai e mãe,
juntr uns pios, umas nesgas de tarde,
um balançando de tudi que balança no vento
e tocar na flauta. É tão bom
que nem ligo que Deus não me conceda
ser bonita e jovem
( um dos desejos mais fundos da minha alma)
"O Espírito de Deus pairava sobre as águas..."
Sobre o meu, pairam estas flores
e sou mais forte que o tempo.

Em: O coração disparado, Ed. Salamandra 1984, pág.23

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