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Mostrando postagens de novembro, 2025

Uma Novela Fora da TV, crônica de José Paulo Cavalcanti

     Cristina procurou um amigo advogado. Não era consulta. Fora só comunicar que iria se suicidar. "Que é isso?, mulher." A escolha de um advogado, para essa comunicação, deu-se apenas por confiar nele.E Não ser alguém da família. Passaram a conversar. Decidira morrer por conta de um telefonema. O doutor estava perplexo. Já vira muitos que desistiram da vida, quase todos em razão de problemas financeiros; ou alguma doença incurável; ou, apenas, por compulsão de alguma neurose. Coisas assim. Não era o caso de agora em que uma mulher estava tranquila e bem. O doutor pediu que contasse o que acontecera, no tal telefonema, para a levar a uma decisão tão drástica. Foi assim.      Cristina estava em frente à TV. Como sempre. Na novela das oito, mulheres iguais a ele viviam amores impossíveis. Paixões ardentes que jamais Cristina seria capaz de sentir. Distantes de sua vida, que nessas horas lhe parecia banal. Sem nenhuma promessa de futuro. O marido, como em tod...

O Retrato da Santa Ficou Na Parede da Sala, crônica de Marcos Cirano

     Certo dia ele acordou e notou que ela não estava mais em casa. Também não deixou um bilhete, nem de uma só palavra: simplesmente sumiu. E fez questão de levar tudo o que era dela, coisas poucas é verdade: roupas, alguns pares de sapatos, um estojo de maquiagem, a coleção de cartas que ele lhe enviara enquanto ainda eram namorados muitos anos atrás e uma pulseira de ouro que ela ganhou no dia em que os dois casaram. O quadro com a imagem de Nossa Senhora de Fátima que ficava na parede da sala, esse ela deixou no mesmo lugar: até porque, embora comprado por ela, aquele objeto sagrado a ninguém pertencia e era preciso que ele continuasse ali, protegendo a casa onde os dois viveram uma bonita e intensa vida por quase seis décadas.      Ele não chorou naquele dia, nem resmungou como de costume quando algo lhe contrariava. Apenas ficou sem entender por que ela partiu em completo silêncio e, justo, num tempo em que a vida seguia sem qualquer desgosto... Fosse...

Gustavo Santos, Professor Nota 10 (Edição 2025)

Foi na cidade de Carnaíba, no Sertão de Pernambuco, que nasceu o projeto que seria reconhecido, no último dia 28 de outubro, como o melhor da educação básica no Brasil, no Prêmio Educador Nota 10. O professor de química Gustavo Santos Bezerra, de 32 anos, foi o idealizador de uma iniciativa que fez os alunos da   Escola Técnica Estadual (ETE) Professor Paulo Freire   integrarem ciência e sustentabilidade com a comunidade onde vivem. Natural de Flores, também no Sertão Pajeú, Gustavo é um exemplo vivo de resistência e inovação na educação pública brasileira. Professor há oito anos, ele abraçou a missão de ir além das quatro paredes da sala de aula. Ele conta que o compromisso diário da profissão é enfrentar os desafios crescentes, trabalhando não só conteúdos, mas também outros aspectos importantes para os alunos. Para ele, educar é preparar jovens para uma realidade em constante evolução. “Ser professor é a cada dia enfrentar desafios em busca de contribuir de alguma forma par...

Flores, poema de Adélia Prado

A boa-noite floriu suas flores grandes, parecendo saia branca. Se eu tocasse um piano elas dançavam. Fica tão bom o mundo assim com elas, que nem me desprezo por querer marido. Perfumam a noite. A gaita de um menino que nunca morre toca erradinho e doce. Eu cumpro alegremente minhas obrigações paroquiais e não canso de esperar; mais hoje; mais amanhã, qualquer coisa esplêndida acontece: as cinco chagas, o disco voador,o poeta com seu cavalo relinchando na minha porta. Desejava tanto tomar bênção de pai e mãe, juntr uns pios, umas nesgas de tarde, um balançando de tudi que balança no vento e tocar na flauta. É tão bom que nem ligo que Deus não me conceda ser bonita e jovem ( um dos desejos mais fundos da minha alma) "O Espírito de Deus pairava sobre as águas..." Sobre o meu, pairam estas flores e sou mais forte que o tempo. Em: O coração disparado, Ed. Salamandra 1984, pág.23

Isso dá um filme: A Cabeça do Santo, Socorro Acioli,

Caminho      Ele não tinha mais sapatos e seus, pés, àquela altura, já eram outra coisa: um par de bichos disformes.Dois animais dentados e imundos. Duas bestas, presas aos tornozelos, incansáveis, avante, um depois do outro, avante, conduzindo Samuel por dezesseis longos e dolorosos dias sob o sol.      Nos primeiros dias o sangue e a água que minavam das bolhas arrebentadas ns seus pés chiavam em contato com o asfalto em brasa, inclemente. De tão secos, fizeram silêncio. Surgiu uma pele nova, quase um couro de cobra, esturricado, admirável engenho da natureza para os que não podem contar com nenhum lapso de piedade do inimigo. As pernas, gêmeos paradoxos: quanto mais magras, mais fortes. Os músculos cresceram, até nas canelas sujas que sustentavam as coxas de pouca carne. Ele, sujo como um desterrado, andando sempre em linha reta.     Dezesseis dias. Por vezes olhava para baixo e temia que o ventre colasse de vez nas costelas, como na histó...

Poemas da M.P.B: O Ateu Comovido, Alceu Valença ( canção dedicada a Dom Helder Câmara)

Eu vinha descendo a ladeira E ouvi no sussurro do vento Que a vida se dá por inteiro Ao homem que é só sentimento Eu vinha descendo a ladeira E ouvi no sussurro do vento Que a vida se dá por inteiro Ao homem que é só sentimento Descendo a ladeira (descendo a ladeira) Da Igreja da Sé (da Igreja da Sé) Ateu comovido (ateu comovido) Em busca de fé Descendo a ladeira Da Igreja da Sé Ateu comovido Em busca de fé Fé em Deus, fé na terra, nos astros Nos riachos, nas matas, nos lagos No trabalho, fé nos sindicatos Fé nos búzios, nas conchas do mar Descendo a ladeira (descendo a ladeira) Da Igreja da Sé (da Igreja da Sé) Ateu comovido (ateu comovido) Em busca de fé Descendo a ladeira Da Igreja da Sé Eu, ateu comovido Em busca de fé Fé em Deus, fé na terra, nos astros Nos riachos, nas matas, nos lagos No trabalho, fé nos sindicatos Fé nos búzios, nas conchas do mar Alceu homenageia d.Helder

Encontro do LivroErrante em Belo Horizonte - 2025

Juntas há 16 anos, lendo, pedindo, emprestando e compartilhando ideias sobre livro,discutindo e dando pitacos sobre assuntos diversos, nós do LivroErrante, deixamos o virtual e, enfim, começamos a nos conhecer pessoalmente.  Do dia 30/10 a 2/11 estivemos na agradabilíssima Belo Horizonte.  E o que fizemos nesses dias? O mesmo de sempre só que tomando café ou Cerveja Xapuri, no Mercado Central, na Pampulha, Praça da Liberdade, dentro de algum taxi ou Uber indo ou voltando de algum lugar.  Saidas do Recife, Rio de Janeiro e Balsas (MA) nos reunimos com a colega mineira em sua linda Beagá. Encontro divertido, feliz e valioso. Pessoalmente considerei o encontro válido e rico. A cidade é um encanto, as pessoas foram prestativas, agradáveis e guias espontâneas. Tudo aconteceu foi tão feliz que passei a rir até dos perrengues. Trouxe ótimas lembranças da cidade, guardei cada uma das colegas no coração, agora com mais carinho. Ah! Ainda tive a indicação de um livro feita pelo ...

Noite, Lirinha (em resposta a uma prosa de Manoel Filó)

Quando o dia cai vencido, cansado, fraco, doente, bem prá lá da luz da serra. A noite espelha o vestido, beija a tristeza da gente e cobre um lado da Terra. Quando a tarde cai calada e o dia despenca mudo, a noite estende o lençol. Um peito de mãe cansada muito maior do que tudo, muito mais quente que o sol. Noite do riso tristonho, noite que tanto me encanta, rainha e mãe da poesia. Dona da verve do sonho, muito mais pura que a santa, muito mais clara que o dia. Noite que leva os poetas pra dormir junto com ela. Zé da Luz foi ver Catulo, Florbela, Rita Medeiro, Noel Rosa teve pressa, Angel Augusto foi ligeiro, No peito da noite preta Cancão se sente tão bem, Pinto Velho não queria, pelejou mas foi também. E o tocadô de pandeiro, da Serra da Catingueira, Ascenso, Rogaciano, Camões, Manoel Bandeira E Lôro, do Pajeú, trocando as letras da lua, tira o L, bota o R, a lua ilumina a rua. Tira o R, bota um N, toda santa, toda nua. Tira um N, bota um S, Lourival até parece pensar que a lua é s...

Mulheres da Fuvest: Lygia Fagundes Telles, As Meninas

  Resumo do livro ‘ As Meninas’ O livro “As Meninas”, escrito por Lygia Fagundes Telles e publicado em 1973, é uma obra que se passa no contexto da ditadura militar no Brasil. A história acompanha a amizade entre três jovens mulheres, oferecendo uma reflexão profunda sobre suas vidas, seus conflitos internos e as tensões políticas da época. Com uma narrativa introspectiva, a autora mergulha no universo psicológico das personagens, explorando suas emoções e suas vivências em um cenário repleto de repressão e incertezas. “As Meninas” é uma leitura essencial para estudantes, especialmente para aqueles que se preparam para o vestibular da Fuvest em 2026, pois a obra oferece uma rica análise das questões sociais e políticas de um período crucial da história brasileira, além de ser uma excelente oportunidade para refletir sobre a literatura nacional e a construção das personagens femininas na narrativa. Quem são as meninas? Para entender melhor o enredo de “As Meninas”, é fundamental con...

Mulheres da Fuvest: Paulina Chiziane, Balada de Amor ao Vento

Resumo de ‘ Balada de Amor ao Vento’ O romance traz a narrativa sob visão da narradora-protagonista Sarnau, mulher moçambicana de uma aldeia no sul do país. Para a ambientação do livro, uma parte da narrativa se passa em um vilarejo em Gaza, no sul de Moçambique, país onde Paulina Chiziane cresceu. Outra parte do livro é ambientada em Mafalala, atualmente chamada de Maputo, capital do país. Algo muito presente na obra é a manifestação da natureza para associação com os sentimentos dos personagens, como com os acontecimentos na vida de Sarnau: “Os pássaros cantaram para nós, os caniços dançaram para nós, o céu e a terra uniram-se ao nosso abraço e empreendemos a primeira viagem celestial nas asas das borboletas.” Sarnau e Mwando Sarnau se atrai por Mwando, que almejava ser padre, mas é expulso por se relacionar sexualmente com Sarnau. Aqui, é interessante observar como isso constitui parte identitária da mulher nesse contexto sociocultural. “Mwando deu o primeiro golpe. Os nossos sa...

Vamos Pensar? (32) Fabíola Simões

     Se não te incluíram, é porque talvez não queriam que você estivesse lá.      Se não te contaram, é porque preferiram guardar.      Se o diálogo não vem, o silêncio já está dizendo tudo.      A gente passa boa parte da vida tentando se encaixar, tentando ser visto, tentando fazer parte. Mas há um momento em que a gente aprende a se retirar com elegância. Aprende que nem todo laço é mútuo e nem toda afinidade é recíproca.       Então, ao invés de cobrar, aceite. E ao invés de buscar lugar onde não há convite,volte para onde há acolhimento.       Porque o tempo é precioso demais para ser gasto com quem não quer dividir o próprio tempo com a gente.   Fabíola Simões.

Vamos Pensar?

 

Como Foi Que o Tempo de Tânia ficou Paralisado Em 1960, crônica de Ignácio de Loyola Brandão

     Era um samba-canção interpretado em todas as boates, em cada piano-bar da noite. O disco vendia como água. A todo momento, passando pelas lojas de discos eu ouvia: Diga que já não me quer, Negue que me pertenceu, Que eu mostro a boca molhada, Ainda marcada pelo beijo seu.*      Aquele refrão ficava em minha cabeça. Tocava no apartamento de Tania mulher, que morava na praça Marechal Deodoro e que me ligava para levá-la às estreias dos filmes. Havia muitas estreias naquele começo de década de 1960, e eu, crítico de cinema, tinha convite para todas. Não sei como Tania descobria, devia ler no jornal. Ela me ligava:      - Amanhã tem estreia. Vamos?      - Vamos.      Ia buscá-la de táxi. depois do cinema, ela insistia em jantar no Gigetto, então restaurante badalado; Tania gostava de ver arristas, queria que eu apresentasse. Quando eu subia até o apartamento dela, ouvia aquela canção: Diga que meu pranto é covar...

Desato, poema de Viviane Mosé

É preciso fritar o arroz bastante antes de jogar água fervendo.E não pode mexer jamais depois de a água ser posta. O alho deve fritar no óleo junto com o arroz. Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas. Faxina por exemplo. Sei limpar uma casa de tal modo Que não sobra um canto que não tenha sido tocado Por minhas mãos. Depois vou sujando. Com muito gosto. Deixo peças na sala e louças sujas na pia. Não na mesma hora mas um pouco Bastante depois volto limpando. Assim me faço. Nos objetos que me acompanham. Gosto de andar nas ruas e comprar coisas Que vão se arrumando em torno de mim. Tenho muitas coisas, quero dizer, tenho muitas camadas. Uma camada de livros outra de sapatos. Tem a camada de plantas. E toalhas de rosto. Tenho camadas de cosméticos e de adereços. Uma camada de nomes e de coisas que vejo. Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo. Um corpo que me sustenta quando o meu próprio me falta. Cadeiras são meus ossos. Sapatos são meus braços. Torneiras em meus por...