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Assim Começa o Livro Que Eu Comecei: Ojiichan, Oscar Nakasato


Sem olhar para o pai, disse, viu, tóchan?,
eu mandei cortar o pé da jabuticaba.

     Um homem está velho quando não consideram mais a sua opinião. Satoshi compreendeu de vez que envelhecera quando cortaram a jabuticabeira. Retornava de uma viagem de alguns dias a São Paulo, onde visitara a irmã Miyuki, que enviuvara há três semanas. Ao contrário do que ocorria antigamente, quando dormia a viagem inteira, ele deu apenas umas cochiladas, embora a poltrona do ônibus fosse bastante confortável, reclinando-se quanse cento e cinquenta graus. Satoshi esticou as pernas, pousando os pés sobre os apoios debaixo      do assento dianteiro, pôs nacabeceira do encosto a pequena almofada - que a filha insistira para ele levar na viagem - e, posicionou a poltrona em sua reclinação máxima. O motorista apagou as lizes internas, e ele fechou os olhos. Satoshi estava cansado, embora tivesse passado quase o dia inteiro somente conversando coma irmã. Depois do almoço, ela fora ao quarto descansar um pouco, e ele aproveitou para ir ao bairro da liberdade comprar algumas lembranças para a esposa e para a filha. Retornou em menos de duas horas, pois a casa da irmã ficava próxima a uma estação de metrô, então pudera ir à Liberdade sem necessidade de baldeação. Após o jantar, o sobrinho o acompanhou até a rodoviária da Barra Funda.

Obras do autor: 
Nihonjin (2011)
Dois (2017)
Ojiichan (2024)

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