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Um Conto de Ano Novo, Mari Barros

      “Fazia tanto frio e a neve não parava de cair, a gélida noite aproximava-se. Aquela era a última noite
de dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão uma pobre menina seguia pela rua, a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas estes não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam tão grandes, pesados e encharcados de neve que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua.

     Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar. Por isso, a menina seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no bolso do avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a todos que passavam, oferecendo:

     — Quer comprar fósforos bons e baratos? — Mas o dia não estava bom. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão sequer. Sentia fome e frio, e estava com o rosto pálido e as faces encovadas. Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes e o cheiro delicioso da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava e que lhe enchia de água a boca. Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de uma varanda. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda; e o padrasto, malvado, seria capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava em um barraco e o vento entrava pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se tirasse um, um só palito do maço e o acendesse na parede para aquecer os dedos… Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a queimar. Parecia a chama quente e viva de uma vela, quando a menina a tapou com a mão. Mas que luz era aquela? A menina imaginou que estava sentada em frente de uma lareira cheia de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom… Mas o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e a lareira desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão. Riscou outro fósforo que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como vidro. E a menina viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, de louças delicadas, e no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e purê de batatas que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Que surpresa e que alegria. De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da menina. O fósforo apagou-se e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria. Acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se viu ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, da casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as vitrines das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direção a terra, deixando atrás de si um comprido rastro de luz. Foi alguém que morreu, pensou. Porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe à vezes: Quando vires uma estrela cadente, um meteorito, é uma alma que vai a caminho do céu. Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave e cheia de felicidade. — Avó! — gritou a menina — Me leva com você! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vai desaparecer como a lareira, como o ganso assado e como a árvore de Natal. Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus. Mas ali, naquele canto junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma menina, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no colo um punhado de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou na companhia da avó no Ano Novo.” Roger limpou a sua garganta e sentiu que ainda doía quando ele falava tanto assim, Mandy estava dormindo nos braços de Bree e Jemmy também dormia enroscado entre o tapete da sala e de suas pernas.

      — Roger porque você contou uma história tão triste assim? — Bree respirou fundo e continuou a falar, — É Ano Novo, uma época de celebração e não de tristeza.

     — Bree, meu pai sempre me contava essa história na véspera de Ano Novo e sempre falou que na verdade a história é bela e fala de esperança.

      — Mas a menina morreu! — disse bufando — Como pode ver esperança nisso? — Bree, meu pai sempre me disse que o objetivo de comemorar o Ano Novo sempre será agradecer por tudo de bom e ruim que nos aconteceu. Ser solidário, ter o coração aberto para o perdão e para o amor. Ter esperança em uma vida melhor. A menina encontrou pela fé o amor, na forma de sua avó, e assim entrou no Reino de Deus. Estava feliz como jamais havia sido. — Ah, Roger é lindo e triste também. — Bree, vamos colocar as crianças na cama e vamos para a nossa cama. — disse beijando-a com paixão — Já é tarde e eu preciso de você, você sabe que você é o meu apoio. — Olhou para ela e sorriu — Como meu pai sempre dizia, enquanto houver 1% de chance, eu terei 99% de FÉ. Eu tenho você, meus filhos, uma família, amigos… e eu tenho muito. Feliz Ano Novo!

Baseado no Conto: A MENINA DOS FÓSFOROS — Hans Christian Andersen

Fonte: Medium 

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