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Parada, Antonio Prata

     Olha lá a tia Olga e o Zequinha. A mãe falou que a tia Olga disse que o Zequinha tá indo mal na escola por causa da maconha que ela achou no bolso da calça que ele esqueceu e mandou lavar, mas eu acho que é besteira da tia Olga. O Zezinho sempre foi mal na escola porque ele é muito burro. Nossa, o Zequinha é muito burro. Ihhh, já desconcentrei de novo! Mas também tudo bem porque a gente não tá nem na avenida central ainda. Se bem que o seu Orestes falou que não importa que eu toque só no final, que nós somos uma banda e todo mundo tem que estar o tempo todo atento e não só na sua parte. Mas eu só preciso prestar atenção mesmo quando cantarem "e o sol, poente no horizonte". Quando falar "e o sol,/ poente no horizonte", o Pedrão faz o pam-pam-pam/pam/pam, na tuba e eu lá: plá!, mando ver nos pratos! Beleza. Ontem na casa de Pedrão, a gente treinou a tarde inteira e dava certo. A irmã dele cantava "e o sol, poente no horizonte", ele mandava o pam-pam-pam/pam/pam e eu: plá! E deu tudo certo. Olha lá a Carlinha. A Carlinha é muito gostosa. Ainda bem que ela tá aqui no começo, porque se tivesse no final eu ia esquecer do sol, poente no horizonte, do pam-pam-pam e ia ser mó merda. E eu com essa roupa ridícula é que nunca vou ficar com a Carlinha mesmo. O Pedrão já ficou com a Carlinha e passou a mão nos peitos dela e tudo. O seu Orestes falou que na banda tem que se vestir como uma banda, mas ele só disse isso porque é maestro e maestro se veste que nem gente normal, só que chique. Pelo menos nos casamentos que eu já fui todos os homens se vestiam igual ao seu Orestes, de maestro. Queria ver se ele tivesse que pôr terninho vermelho e esse chapéu aqui... Queria só ver. Se bem que o Pedrão também disse que a Olívia tinha deixado ele passar a mão em tudo e depois a  Olívia falou pra Tati e a Tati me contou que ele nem passou a mão em nada e que inclusive ele tinha a mão suada e por isso ficou com a mão no bolso o tempo todo. Acho que preciso fazer xixi. Não, não, é só nervoso. Eu fiz xixi antes de sair de casa e nem bebi muita água. Mas a gente nem tá ainda na avenida principal. Isso é ruim porque eu quero fazer xixi, mas é porque ainda vai demorar para eu tocar. O seu Orestes fala que numa banda ninguém é mais importante que ninguém, que todos formam o conjunto, mas eu vi que nessa hora ele olhou para mim porque ele sabia que eu queria tocar caixa ou pelo menos um surdo e não prato, que só toca uma vez, e lá no fim, então eu acho que seu Orestes tava mentindo. Ele acha sim que uns são melhores pra tocar coisas mais legais e os que são piores pra tocar prato que nem eu. Mas também, eu nem queria tocar em banda nenhuma, mas a mãe falou que achava importante e eu ouvi ela dizendo pro pai que tinha lido numa revista que a música estimula áreas muito importantes do cérebro e que grandes líderes sempre sabiam tocar algum instrumento. Duvido que algum grande líder tocasse prato, duvido. E duvido que o Pedrão vá ser grande líder só porque sabe fazer pam-pam/-pam/pam/pam na tuba dele.  Aliás, duvido que qualquer um dessa porcaria dessa cidade vá ser um grande líder. E eu nem quero ser grande líder. Eu já tenho tudo planejado. Eu e o Pedrão - olha alí a Olívia, ela também é meio gostos - vamos criar chinchila no sítio do pai dele. O Pedrão viu na TV que é fácil de criar e que a pele de chinchila é vendida para o exterior para fazer casaco, bolsa e sei lá mais o quê e se a gente ficar sócio pode ficar rico em pouco tempo criando chinchila. E aprender música é totalmente inútil pra quem quer ficar rico criando chinchila. Mas mesmo assim eu preferia tocar caixa ou surdo mas o seu Orestes, quando eu fui falar isso pra ele, ele disse: se todos fossem iguais, o que seria do amarelo? E eu não entendi e fiquei com muita raiva. Acho que seu Orestes às vezes viaja. Outro dia vi a tia Olga falando pra mãe que o seu Orestes bebe muito, então eu acho que é isso. O que que o amarelo tinha a ver com com prato? Hein? Hein? Se o seu Prestes fosse músico bom, ele ia ter pelo menos ido tocar na orquestra de Botucatu e não ficaria aqui nessa cidadezinha que nem coreto tem, ensaiando com um monte de moleque que não quer tocar nada, só para apresentar na festa da cidade esse hino idiota. Quando eu for o maior exportador de pele de chinchila, eles vão ver, a Carlinha vai ver, o seu Orestes vai ver. Até a Olívia vai ver. Agora a gente já tá  na avenida principal então já tá quase lá. é bom ficar atento. A minha parte deve ser quando a gente estiver passando na frente do mercadinho da Neiva, mas seu Orestes falou que não era para eu me basear nisso, mas na música, na melodia e na letra, mas a minha mãe tinha que se basear em alguma coisa pra saber onde é que ela ia ficar pra ver eu tocar então ela e o pai tão lá na frente do mercadinho, ó lá eles. Puta que pariu, e precisava ficar acenando assim? Já vi , manhê! Já vi que vocês tão aí, caralho! Vai invadir a parada, agora? Vai cair em cima do naipe de metais? Vai derrubar a coroa da Miss Simpatia da Festa do Morango, na frente de todo mundo? Já não basta eu aqui com essa roupa ridícula, esses pratos ridículos e ainda tenho uma mãe ridícula dessas... Por que é que só a minha mãe é assim? Ó lá a mãe do Pedrão, tá quieta, na dela, porra! Ai, o xixi, o xixi! Eu sei que a mãe tá pulando que nem a gente quando faz polichinelo na aula de educação física, mas eu não vou nem olhar pra ela que é pra ela entender que mãe não deve fazer polichinelo, nem botar o filho pra tocar prato com roupa idiota no hino idiota da cidade idiota e a única coisa que não é idiota são os peitos e a bunda da Carlinha, mas eu nunca vou 
encostar neles, quem sabe só no dia que eu criar chinchi... "e o sol, poente no horizonte" pam-pam-pam/pam/pam/...
Plá!


Em: O Inferno Atrás da Pia, Antonio Prata, págs. 11-14


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