Pular para o conteúdo principal

Coitada da Norma, Tão Culta! Sérgio Rodrigues

- E a Norma, heim?
- O que é que tem?
- Você não soube? Anda mal falada.
- A Norma? Depois de Velha? Mas ela é tão culta!
- Pois é. E com aquela pose toda, a mania de ditar regrinhas de bom comportamento, de corrigir todo mundo...
- Mas o que foi que aconteceu?
- Ora, o que aconteceu é que caiu a máscara da madame, né? Descobriram finalmente como ela é autoritária, elitista e preconceituosa. E pior, abrbitrária, totalmente desconectada da realidade.
- Puxa, eu sempre achei a Norma tão correta...
- Correta demais aí é que está. Era para desconfiar, acho que demorou. Parece que até aqueles amigos que ela se orgulhava de ter no minostério andam virando a cara para ela.
- Ah, coitada. Eu sinto pena.
- Pois eu acho ótimo. Nunca fiquei à vontade na presença da dona, sabia? Muitas vezes aconteceu de eu ter alguma coisa importante para falar e ficar com medo. Preferia nem abrir a boca.
- Isso é verdade, a Norma sempre foi difícil.
- Tá vendo? Nem você, que é meio puxa-saco, está disposto a defender a magera!
- Estou ,sim; defendo, sim. E você? Fica aí esculachando, mas até que está se expressando direitinho, do jeito que ela gosta.
- Eu?
- Você.
- Ah, você não viu nada, meu amigo. A gente vamos barbarizar!


Rodrigues, Sérgio, Viva a língua brasileira, Ed.Cia das Letras, São Paulo 2016.


Comentários

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di...

Vamos Pensar? (10)

 

Vamos Pensar? (13)